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quinta-feira, setembro 10, 2015

A FALSA NARRATIVA DA DIREITA


• Hugo Mendes, A FALSA NARRATIVA DA DIREITA
    «A coligação partiu para a campanha eleitoral com uma estratégia bem definida: esconder Passos Coelho dos eleitores, a começar pelos debates com os outros partidos; capitalizar a sorte de beneficiar de uma ténue retoma económica totalmente depende das decisões do Tribunal Constitucional (que impediram cortes salários das função pública, nas pensões, nos subsídios de doença, nos subsídios de desemprego e nas pensões de sobrevivência), da politica expansionista do BCE, da forte baixa do preço do petróleo, e no regresso do consumo a crédito; e transformar as eleições num referendo às políticas passadas e propostas do PS, chamando o desempenho económico e orçamental dos anteriores governos socialistas para a campanha.

    Este último eixo da estratégia da coligação assenta, porém, num conjunto de mitos sobre o passado e sobre as propostas eleitorais do PS.

    Sobre o passado, a direita afirma sempre que pode que, durante a primeira década do século XXI, os governos socialistas estimularam o consumo privado e apostaram no investimento público para fazer crescer a economia. Esta narrativa, conveniente para descrever o que se teria passado entre 2000 e 2008, tem apenas um problema: é falsa.

    Durante este período, o consumo privado cresceu em média 1,6% ao ano, um dos valores mais baixos da União Europeia, e muito inferior ao registado na Grécia, Espanha ou Irlanda. Quanto ao investimento público, este esteve praticamente estagnado ao longo de toda a década, apenas crescendo nos anos de 2009 e 2010, resultado das políticas anticíclicas acordadas por todos os países da UE como esforço coordenado para combater a maior crise económica global das últimas décadas. Não é de espantar que, num contexto de combate a uma crise, este pacote de estímulo assentasse no investimento público; ao contrário da despesa corrente, que é mais difícil de cortar no futuro, a despesa de capital é discricionária e é relativamente fácil invertê-la (como aliás aconteceu).

    Naturalmente, estes mitos, propagandeados ao longo da última legislatura, continuam a ser usados hoje para caraterizar o programa eleitoral do Partido Socialista para os próximos quatro anos, como se a sua estratégia económica assentasse simplesmente no estimulo à procura. Esta crítica, porém, não passa de uma caricatura e não resiste a uma análise séria.

    O que o Partido Socialista propõe é uma estratégia concertada de médio prazo que articula de forma equilibrada medidas do lado da procura e do lado do oferta;. Dela constam medidas que, por um lado, visam aliviar os orçamentos familiares e das empresas – o crédito mal parado continua a subir, sinal de que continua a haver seriíssimos problemas de liquidez nas famílias e nas empresas portuguesas - e que, do outro, incentivem a modernização empresarial e estimulem o investimento privado, alavancado numa execução desburocratizada dos fundos comunitários.

    A direita bem pode agitar o papão dos excessos do consumo privado e do investimento público, mas o objetivo da estratégia do PS é outra: facilitar o desendividamento das famílias e das empresas e evitar o recurso ao crédito para financiar o consumo; desbloquear o investimento privado; reorientar o investimento público para investimentos cirúrgicos de proximidade; e sujeitar as grandes obras públicas futuras a um amplo consenso interpartidário.

    O mais marcante da falsa narrativa da direita, porém, é o seu descaramento. Descaramento sobre o passado – na década passada, o ano em que o consumo privado mais cresceu foi num ano em que o pais era governado pela coligação PSD/CDS (2,5% em 2004)v –, sobre o presente – praticamente todo o crescimento atual de que a coligação se vangloria está assente no consumo privado, e ainda por cima alavancado no regresso do crédito ao consumo -, e sobre o futuro: como mostram os cálculos da UTAO, o Plano de Estabilidade 2015-2019 do governo assume que em 2019, o consumo privado pese mais no PIB em 2019 (65,1%) do que pesava em 2010 (62,1%). Esta é mais uma prova de que, com este governo, não só não houve como não haverá qualquer transformação estrutural da economia portuguesa.»

quarta-feira, agosto 26, 2015

«Investimento público do bom», segundo Portas


«O que aqui está em causa é, aliás, quero chamar a atenção, investimento público do bom, no sentido [de] que é investimento público produtivo» (vídeo), disse ontem Paulo Portas, ao visitar as 14 empreitadas de obras de infra-estruturas em curso no Alqueva.

A conclusão do projecto, inicialmente prevista para 2025, foi revista pelo Governo de José Sócrates para 2015 e, depois, antecipada para 2013. Cerca de dois meses após ter tomado posse, o actual governo, através da inefável Assunção Cristas, anunciou que as obras seriam adiadas.

De súbito, possivelmente após uma nova negociação dos contratos das empreitadas, as obras foram retomadas. Prestes a serem concluídas, e com eleições à porta, Paulo Portas, acompanhado por Assunção Cristas, descobriu que se trata de um «investimento público do bom». Só não se lembrou de dizer que foi promovido pelo Governo de José Sócrates.

segunda-feira, abril 20, 2015

Estado empreendedor

— A inovação cabe-nos a nós, a vocês basta comprar o que produzimos.

• João Galamba, Estado empreendedor:
    «Todos concordam que um dos desafios do país é produzir mais e de forma mais justa. O problema vem a seguir. Podemos dizer que uma economia de um país é tanto mais produtiva quanto mais produtivo for o conjunto dos seus trabalhadores e quanto mais produtivo for o seu stock de capital*. Mas esta afirmação, embora verdadeira, pode induzir em erro, porque dá a ideia que faz sentido olhar para uma realidade chamada produtividade dos trabalhadores e uma outra chamada a produtividade do capital, como se qualquer uma delas pudesse ser analisada independentemente da outra. Quando isso acontece, e quando crê nos axiomas de uma certa vulgata liberal, o resultado é trágico.

    Olhemos para a produtividade dos trabalhadores portugueses e dos trabalhadores alemães. Os alemães são mais produtivos que os portugueses, mas não são mais produtivos porque trabalham mais ou porque são mais esforçados, nem são mais produtivos porque trabalham melhor ou pior do que os portugueses. Mesmo que os portugueses fossem trabalhadores piores ou menos qualificados que os alemães, a principal razão por que os alemães (ou japoneses ou americanos) produzem mais do que os portugueses é porque a economia portuguesa é diferente da economia alemã. Os trabalhadores portugueses exercem a sua actividade no contexto de economia que tem um perfil produtivo que, por muito que os trabalhadores se esforcem, por muito que tentem, não permite atingir os níveis de produtividade da economia alemã. Num certo sentido, a produtividade dos trabalhadores tem muito pouco a ver com os trabalhadores propriamente ditos.

    Portugal nunca poderá aumentar a produtividade dos seus trabalhadores forçando-os a trabalhar mais horas, com menos direitos e com menores salários. No contexto europeu, os portugueses já trabalham mais horas do que outros países mais produtivos, não consta que tenham mais direitos do que na generalidade dos países europeus, e não têm seguramente salários demasiado elevados. Se o objectivo for o subdesenvolvimento do país, podemos sempre apostar nessa via, como é evidente. Não consta que seja uma opção viável, muito menos aceitável.

    A actual maioria, prisioneira de uma visão da economia onde o Estado é visto como um entrave ao dinamismo, criatividade e capacidade de inovação da iniciativa privada, não concebe outra política económica que não a fragilização da situação do trabalhador (quanto menor a protecção maior o incentivo a trabalhar) e a entrega de recursos ao sector privado, prioritariamente reduzindo o IRC e reduzindo os custos salariais. Tudo isto financiado por desinvestimento público, para evitar aumentar o défice. Na cabeça de alguns, isto é o caminho para a prosperidade.

    Os crentes nesta estratégia acham que, se o Estado desinvestir na educação, desinvestir na ciência e na tecnologia, a iniciativa privada toma conta do recado. E se, por qualquer razão, essa verdade axiomática não se estiver a verificar, então é porque o Estado ainda não facilitou o suficiente. Trata-se uma espécie de visão mecânico-liberal do desenvolvimento: Estado recua, privados emergem, mais fortes, mais pujantes e mais criativos, e o milagre acontece. O PCP defende algo semelhante, mas ao contrário.

    Em alternativa a esses dois extremos encontra-se a realidade da grande maioria dos países desenvolvidos, onde o Estado e a iniciativa privada foram e são parceiros no desenvolvimento do país, cada um desempenhado a sua função, de forma complementar, e onde o trabalho não é uma mera variável de ajustamento económico. O Estado não se resume a ser facilitador, como se bastasse o seu recuo ou não intervenção para produzir milagres. Mas também não é um simples regulador de mercados, fornecendo os meios para o seu regular e justo funcionamento. Faz mais do isso e também cria mercados.

    É uma ilusão pensar que basta investir na regulação pública dos mercados e nas qualificações dos trabalhadores (presentes e futuros) para que a produtividade aumente. Trata-se de um investimento essencial, sobretudo num país como Portugal, mas está longe de ser suficiente. Se não houver investimento na qualificação e na modernização do contexto onde exercem a sua actividade, o investimento em qualificações, por si só, servirá de pouco e, por falta de oportunidades internas, tenderá a ser exportado, via emigração. É o que tem acontecido.

    É por esta razão que, para além de investimento em qualificações, é fundamental investir em ciência, na inovação e na modernização do nosso tecido produtivo. Todos estes investimentos requerem - directa ou indirectamente - o Estado e dependem da existência de políticas públicas adequadas. Não se trata de nacionalizar ou privatizar, mas de reconhecer uma política que mobilize todos os actores - administração pública, laboratórios e centros tecnológicos público e privados, instituições de ensino superior, empresas e sindicatos - com o objectivo de alterar e qualificar o perfil produtivo da economia nacional. Isto envolve necessariamente financiamento público directo e indirecto. E é uma estratégia que não é compatível com a ideia de um Estado meramente facilitador e muito menos com a diabolização do investimento público que tem sido e continua a ser uma das bandeiras da actual maioria.

______
* O conceito de stock de capital é problemático, porque, ao contrário do stock de trabalhadores, não é algo mensurável em unidades físicas. Podemos somar trabalhadores, não podemos somar uma fábrica de automóveis com uma cimenteira ou com um cabeleireiro. Para fazê-lo, precisamos de uma unidade de valor monetário, sem o qual o conceito de capital não tem significado. Isto leva a que a função matemática que a generalidade dos economistas usa para representar o lado da oferta de uma economia tenha graves problemas metodológicos.»

terça-feira, março 31, 2015

Cortar (n)o futuro


    «O expediente que o Governo tem usado para tentar cumprir as metas definidas para o défice publico é sempre o mesmo: chegados ao último trimestre de cada ano, o Governo, quando vê a meta do défice em perigo, corta sempre a fundo no investimento público, violando (para baixo) as metas que ele próprio havia anunciado aquando da apresentação, em Outubro, do OE para o ano seguinte.

    Foi assim em 2012, em 2013 e em 2014. Se, por exemplo, o Governo não tivesse travado a fundo no investimento no último trimestre de 2014, o défice não seria de 4.5%, mas sim de 4.9%.

    Podemos ter cumprido a meta do défice, mas a pergunta que interessa é: com que custo? Sacrificar o futuro, cortando a fundo no investimento, pode ser muita coisa, mas não é seguramente uma política inteligente do ponto de vista económico; nem orçamental, já agora.»

quarta-feira, março 25, 2015

Custos de oportunidade


• Hugo Mendes, Custos de oportunidade:
    «Há duas semanas, a imprensa dava conta de que a PSA Sines vai investir 40 milhões de euros em 2015 na expansão do Terminal XXI sem qualquer "apoio público". Na verdade, a notícia devia ser outra: a de que, na proposta inicialmente apresentada ao Governo, a PSA se dispunha a investir 130 milhões de euros, desde que o Governo investisse outros 70 milhões de euros (e prorrogasse o prazo da concessão). Como o Executivo respondeu que não há dinheiro para investimento público, o resultado do processo foi este: o setor privado investiu três vezes menos do que estava disposto (40 milhões de euros em vez de 130 milhões de euros) e o país beneficiou de um investimento cinco vezes inferior (40 milhões de euros em vez de 200 milhões de euros) ao que poderia ter sido realizado.

    O que tem este caso a ver com as declarações da ministra das Finanças sobre os ‘cofres cheios'? Ele demonstra que a prioridade de curto prazo do Governo, que se traduz na constituição de uma almofada que vale 14% do PIB, em nada contribui para resolver os desafios fundamentais do país, que passam por garantir que consegue crescer e assegurar a sustentabilidade da sua dívida. Se a estratégia de ter os ‘cofres cheios' representa um seguro contra um risco futuro que passa, para muitos, por inatacável prudência (ou, noutra leitura, por incomunicável pânico face a qualquer alteração no enquadramento financeiro externo), ela tem custos: não apenas os custos financeiros que resultam dos juros pagos pela dívida emitida e pelo facto de a taxa de depósitos do BCE ser negativa, mas os custos de desperdiçar oportunidades de investir no futuro do país. Ao mesmo tempo que compra dívida que paga para ter no ‘colchão' do BCE, o Governo sinaliza que não percebe um dos bloqueios que mais condiciona o desenvolvimento da economia nacional: preso ao quadro cognitivo do ‘crowding out', o Governo é incapaz de compreender que o investimento privado não arrancará realmente enquanto o investimento público se mantiver em mínimos dos últimos 20 anos.»

segunda-feira, março 23, 2015

Desinvestir no futuro

• João Galamba, Desinvestir no futuro:
    «Na economia da escola tio Patinhas em que vive Passos Coelho, ter os "cofres cheios" é um feito económico que devemos celebrar.

    Não se percebe bem o que é que há para celebrar. Os excedentes não são poupança gerada, são dívida. Aparentemente, há dívida boa, que é esta que alimenta os cofres de tesouro, e há dívida má, que é a que serve para encher os bolsos de portugueses de saúde ou de educação.

    A questão relevante não é saber se temos os cofres mais ou menos cheios do que em 2011; é saber se, no actual contexto social, económico e financeiro do país e da Europa faz sentido ter excedentes de tesouraria tão elevados. A constituição de excedentes de tesouraria deve ser visto como uma forma peculiar de investimento (público). E deve ser avaliado enquanto tal.

    Em vez de aplicar recursos públicos em saúde, em ciência, em educação ou em infra-estruturas, o Estado decide investir em depósitos bancários. Estes depósitos não criam emprego, não dinamizam a economia, não melhoram a coesão social. E já não rendem juros: no caso dos montantes depositados junto do Eurosistema, os juros até são negativos, cabendo ao Estado pagar uma taxa negativa de 0.2%.

    A única coisa positiva do investimento em excedentes de tesouraria é o facto de ser um seguro de liquidez: se tudo correr mal, Portugal pode passar um ano sem ir ao mercado da dívida. Portugal não está mais solvente, está apenas mais líquido. Isto tem valor? Tem, claro. Mas, como os recursos são escassos, ter valor, por si só, não chega. Qualquer decisão sobre aplicação de recursos públicos, venham eles de impostos, de dívida ou de transferências de capital, deve ser devidamente avaliada e comparada com alternativas. E a liquidez, no momento actual, não tem assim tanto valor. Com o BCE empenhado num vasto programa de Quantitative Easing, não parece que a situação se vá alterar.

    Num contexto em que o investimento, depois de cair 30% em três anos, recuando a níveis dos anos 80, cresce apenas 2.3% em 2014, praticamente um terço do que havia caído em 2013, investir mais de 20 mil milhões de euros em depósitos e continuar diabolizar o termo investimento público não parece fazer grande sentido. Sobretudo porque este governo não investe necessariamente menos; apenas investe noutras coisas.

    Mais ou menos avessos ao risco, mais ou menos cautelosos, mais ou menos confiantes na manutenção do actual contexto de excesso de liquidez e taxas de juro historicamente baixas, todos concordarão que, no contexto actual, facilmente se encontram formas mais equilibradas de aplicar os recursos públicos existentes.

    No curto prazo, a opção de cortar no investimento público (tradicional) e investir em excedentes de tesouraria é negativa em termos sociais, económicos, orçamentais e financeiros. No longo prazo, não parece ser melhor: o Estado gasta cerca dez vezes mais a comprar um seguro contra um futuro incerto do que a investir na construção desse mesmo futuro. É uma escolha que ilustra muito bem o programa de desinvestimento deste governo

segunda-feira, março 16, 2015

Entre um investimento de 40 ou de 200 milhões de euros,
o Governo opta por qual?


O Jornal de Negócios informa de que o alegado primeiro-ministro vai hoje a Sines por causa de um investimento privado de 40 milhões de euros. Mas a notícia devia ser que a PSA, cuja empresa-mãe é de Singapura, propôs ao Governo que o Estado português investisse 70 milhões de euros, estando então a PSA disponível para avançar com outros 130 milhões — para o prolongamento do cais, de forma a poder receber três navios em simultâneo.

Portanto, em vez de o país ter realizado um investimento estratégico de 200 milhões de euros, será feito um investimento cinco vezes mais pequeno. Esta posição mostra a cegueira do Governo: por causa do preconceito em relação ao investimento público, o país perde a oportunidade de um grande investimento estratégico.

segunda-feira, março 02, 2015

A não retoma do investimento


• João Galamba, A não retoma do investimento:
    «Depois do investimento ter caído 30% em três anos, chegando a níveis que só encontram paralelo no distante ano de 1986, a alegada retoma do investimento, efusivamente celebrada por Paulo Portas, resume-se afinal a uma taxa de crescimento de 2.3%.

    Os 5.2% de que tem falado Paulo Portas incluem a variação de existências, isto é, a variação de stocks de matérias primas e produtos produzidos ou em fase de produção que ainda não foram vendidos. A variação de existências é considerada investimento apenas para efeitos contabilísticos. O investimento propriamente dito é a formação bruta de capital fixo, que cresceu apenas 2.3%.

    Depois de todos as reformas estruturais, depois do super crédito fiscal, depois de duas reduções da taxa de IRC - e depois de todas as políticas convencionais e não convencionais do Banco Central Europeu - a taxa de crescimento do investimento que Paulo Portas está a festejar - a real, de 2.3%, não a de 5.2% - não permite sequer compensar a depreciação do stock de capital existente, o que significa, na prática, que não estamos a aumentar a capacidade produtiva. Este facto parece ser confirmado pelo Inquérito de Conjuntura ao Investimento, publicado pelo INE a 30 de Janeiro.

    Com a taxa de crescimento de 2014, Portugal levaria dezasseis anos só para recuperar o investimento perdido nos últimos três.

    Paulo Portas tem toda a razão quando diz que o investimento é o dado mais crítico da economia portuguesa. Mas não tem nenhuma razão quando proclama o sucesso das políticas do que governo a que pertence. Não haverá retoma significativa do investimento privado enquanto o investimento público não inverter a tendência dos últimos anos. É preciso não esquecer que o investimento público foi cortado em 60% (quase seis mil milhões de euros a menos do que em 2010). (…)»

sábado, janeiro 24, 2015

A execução orçamental trocada em miúdos


Execução orçamental de 2014 revela enorme custo social
e cortes no investimento público,
para além da continuação do enorme aumento de impostos

segunda-feira, janeiro 19, 2015

Passos é o único com o passo certo na parada

A forma como Passos Coelho justifica a subserviência do governo português em relação aos interesses que Angela Merkel representa chega a ser hilariante, para não dizer profundamente ridícula. Ser mais papista do que o papa num momento em que a zona euro dá tímidos sinais de olhar para a austeridade de outra forma — vide Pedro Silva Pereira e João Galamba — deixa o pantomineiro-mor a fazer o triste papel de ser o único com o passo certo na parada.

Porfírio Silva fez um vídeo em que coloca lado a lado declarações de Passos Coelho e do comissário europeu Pierre Moscovici sobre a forma como as despesas de investimentos devem ser (ou não) contabilizadas para efeitos de apuramento do défice orçamental. Ao pôr em relevo o seu ar apatetado e servil, é um vídeo fatal para o estarola doméstico:

O que tem de ser tem muita força

A tal flexibilização

• João Galamba, A tal flexibilização:
    «A apresentação, por parte da Comissão Europeia, dos termos em que vai assentar uma leitura mais flexível do Pacto de Estabilidade e Crescimento constitui o primeiro revés institucional do processo de constitucionalização das política de austeridade. Apesar de manifestamente insuficiente, apesar de todos os seus erros e contradições, trata-se de um recuo com um profundo significado político. Desde da viragem austeritária de 2010, esta "leitura inteligente" das regras orçamentais representa o primeiro reconhecimento institucional de que a aposta na austeridade fracassou e tem de ser revista. A Comissão nunca o diria desta forma, como é evidente. Mas há actos que valem mais que todas as palavras. (…)»

quinta-feira, outubro 16, 2014

Sopram novos ventos na Europa

• Francisco Assis, Sopram novos ventos na Europa:
    «(…) O mal pode até ser muito mais profundo do que se imagina. Essa é, pelo menos, a tese de Marcel Fratzscher, que acaba de publicar um livro intitulado A Ilusão Alemã. A tese fundamental aí expendida é a seguinte: a Alemanha tem uma face brilhante, que se compraz em exibir, e uma face negra a que não tem sido prestada a devida atenção. A primeira é conhecida: o seu produto interno bruto cresceu 8% desde 2009, criaram-se novos empregos, as exportações aumentaram substancialmente, as contas públicas caracterizam-se por excedentes orçamentais e a dívida pública reduziu-se. O outro lado é mais inquietante: o PIB tem vindo desde 2000 a crescer a um ritmo inferior à média da zona euro, os salários dos trabalhadores têm aumentado abaixo da inflação, dois em cada três assalariados auferem actualmente um salário real inferior ao do ano 2000, uma criança em cada cinco vive abaixo do limiar da pobreza, as desigualdades cresceram (as de natureza patrimonial são mesmo as mais elevadas da Europa) e a igualdade de oportunidades regrediu. A explicação apresentada para justificar esta situação reside na diminuição da taxa de investimento, que será actualmente uma das mais baixas entre os países industrializados. Tal facto conduz a um aumento muito frágil da produtividade e concorre, entre outras coisas, para a diminuição do valor do património público. (…)»

segunda-feira, setembro 08, 2014

«O discurso de Draghi em Jackson Hole consegue ser
simultaneamente revolucionário e conservador»

• João Galamba, Um passo em frente não basta para sair do lugar:
    «(…) O discurso de Jackson Hole marca uma nova fase deste processo, mas também o seu esgotamento. Constatando que a retoma do emprego e do crescimento económico continuam a ser uma miragem, Draghi veio dizer, não que a austeridade é um erro e não está a funcionar, não que as reformas estruturais não fazem aquilo que era esperado, mas que a austeridade e as reformas estruturais são insuficientes se nada for feito para promover a procura agregada. Acontece que Draghi não pode dizer isto sem entrar em contradição, porque a austeridade e as reformas estruturais, embora complementares entre si, são ambas incompatíveis com qualquer tipo de política que vise aumentar (no curto e no longo prazo) a procura agregada numa economia.

    No contexto actual não é possível recalibrar nem ajustar, é preciso admitir o erro que foram certas opções políticas, recuar e apostar em verdadeiras alternativas. E isso começa pelo reconhecimento de que o pacto de estabilidade e crescimento e o tratado orçamental, nas suas actuais configurações, deprimem necessariamente a procura e têm de ser revistos. Uma solução, por exemplo, passaria por excluir o investimento público (por exemplo, todas os montantes necessários para garantir a comparticipação nacional dos fundos europeus) do cálculo do défice relevante para o cumprimento das regras orçamentais. Outra passa por recalcular o défice estrutural, reforçando a componente cíclica. Seja qual for a opção seguida, uma coisa é certa: pensar em políticas orçamentais de austeridade "mais amigas do crescimento" ou em "reformas estruturais que aumentem a procura", como tenta fazer Draghi na parte propositiva do seu discurso, é ilógico. Se a procura agregada é um problema, a actual política europeia não está incompleta, está errada; e a estratégia da fuga para a frente que havia sido seguida até aqui está esgotada.»

sexta-feira, abril 18, 2014

Barroso rima com mentiroso


Um dos vários aspectos em que Barroso não reprimiu, na entrevista ao Expresso, a sua irresistível propensão para fugir a sete pés à verdade dos factos aconteceu quando o ainda presidente da Comissão Europeia afirmou que não havia aconselhado Portugal a fazer investimento público, incluindo o recurso a PPP, quando rebentou a crise em 2008. O Expresso reconstitui hoje os factos e revela que Barroso mentiu:
    «O plano de Barroso de combate à crise financeira de 2008 acabou por ser aprovado no início de 2009, só que pouco tempo mais tarde, já em 2010, foi abandonado subitamente com o eclodir da crise das dívidas públicas, que começou por apanhar a Grécia e alastrou pela UE, provocando ainda o resgate da Irlanda nesse ano e o de Portugal na primavera, seguinte. Quando a Europa de Barroso decidiu tirar o pé do acelerador do investimento, Sócrates defendeu que isso era um enorme erro e passou a dizer amiúde que "o mundo mudou". A versão dos acontecimentos nunca será coincidente, mas o incentivo ao investimento por parte da Comissão é absolutamente inequívoco.»

Está aqui a comunicação da Comissão Europeia para o Conselho Europeu, assinada por Barroso a 26 de Novembro de 2008, a propor a adopção do «Plano de relançamento da economia europeia».

Este canastrão, que anda por aí de comício em comício, tem em muito má conta o povo português, quando pensa que pode mentir e passar incólume.

ADENDA — A Shyznogud reproduz extractos da notícia do Expresso.

domingo, abril 13, 2014

O dia em que Vasco Lourenço ligou para o Fórum da TSF [2]

Barroso inaugura troço de auto-estrada

Vasco Lourenço aproveitou a entrevista ao i para fustigar o «governo de Sócrates», que, «apesar de ter feito coisas muito boas», lançou parcerias público-privadas (PPP), ou seja, «permitiu, fomentou e serviu-se da corrupção». A vida política tem destas surpresas: onde menos se espera, surge um porta-voz das campanhas sujas da direita. Acontece que Vasco Lourenço não adianta um só dado que permita pensar que sabe do que fala, não oferece um só argumento que leve o leitor a admitir que não está a papaguear o que aprendeu no Correio da Manha.

Talvez seja possível ajudar Vasco Lourenço a sair do atoleiro em que se enterra, facultando-lhe alguns elementos relevantes sobre as PPP. E espero que ele aproveite a oferta, porque deu trabalho a recolha de dados. Veja-se:

1. Sobre o «despesismo» dos governos de Sócrates

Compare-se o que consta do Orçamento do Estado para 2005, elaborado pelo Governo de Santana/Portas/Bagão Félix, com o que reporta o Orçamento do Estado para 2012, elaborado pelo Governo de Passos/Gaspar/Portas (ambos governos do PSD/CDS):
    • Encargos líquidos futuros com todas as PPP, inscritos no Relatório do OE-2005 (Bagão Félix), p. 89, quadro 2.9.1 – Somatório da linha total: 23.394 M€;
    • Encargos líquidos futuros com todas as PPP, inscritos no Relatório do OE-2012 (Vítor Gaspar), p. 123, quadro III.8.2 – Somatório da linha total - 19.187 M€.

Conclusão: os governos do PS, de acordo com a estimativa de Bagão Félix, herdaram 23.394 M€ de encargos com as PPP e deixaram, de acordo com a estimativa de Vítor Gaspar, 19.187 M€. Estes dados recolhidos em orçamentos do Estado elaborados por governos do PSD/CDS revelam que os governos do PS deixaram para o governo de Passos Coelho encargos com as PPP menores do que aqueles que recebeu.

2. Sobre as renegociações ruinosas das SCUT

A auditoria do Tribunal de Contas «Encargos do Estado com as Parcerias Público-privadas: Concessões Rodoviárias e Ferroviárias», de Novembro de 2005, revela o total dos encargos líquidos, antes da renegociação, para as Concessões SCUT Norte Litoral, SCUT Costa de Prata, SCUT Grande Porto, SCUT Beira Litoral e Alta (inscritos na p. 18) e Concessão Norte (inscritos na p. 20): 10.756 M€.

Por sua vez, a badalada auditoria da Ernst & Young, realizada em 2012, refere que o total dos encargos líquidos, depois da renegociação, para as Concessões SCUT Norte Litoral, SCUT Costa de Prata, SCUT Grande Porto, SCUT Beira Litoral e Alta (p. 54) e a Concessão Norte e Concessão Grande Lisboa (p. 53) se cifraram em 4.603 M€.

Em suma: as chamadas «renegociações ruinosas» das concessões SCUT e das Concessões Norte e Grande Lisboa permitiram que mais de 50% dos encargos destas PPP fossem eliminados durante os últimos dois governos do PS.

3. Sobre os campeões das PPP e das auto-estradas

De acordo com Direcção Geral do Tesouro e Finanças, existem em Portugal 36 PPP: 22 rodoviárias, três ferroviárias, dez na saúde, uma de segurança. Das 22 PPP rodoviárias apenas 8 (36%) foram lançadas foram lançadas pelos dois anteriores governos do PS, tendo as restantes sido lançadas pelos governos de Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso e Santana Lopes.

Estes números estão longe do que se verifica na Europa. De acordo com o estudo do EPEC (European Public-Private Partnership (PPP) Expertise Centre, de 2010 e 2011, e Economic and Financial Report 2010/04, de Julho 2010), o Reino Unido fez 20 vezes mais PPP que Portugal. Na Europa, existem 1536 PPP, enquanto em Portugal há 36 PPP (2%).

Importa salientar ainda que dos 3150 quilómetros de auto-estradas, em operação ou em construção, os dois últimos governos do PS são responsáveis pelo lançamento de apenas 13,5% (428 km).

Conviria que Vasco Lourenço tivesse ainda em conta que o investimento rodoviário executado entre 2005 e 2010 correspondeu ao cumprimento do Plano Rodoviário Nacional (aprovado por unanimidade na Assembleia da República) e às orientações de então da União Europeia no sentido de reforçar o investimento público, nomeadamente através do instrumento das parcerias.

E merece especial atenção a circunstância de a aposta ter sido feita nas estradas de proximidade e na criação de igualdade de oportunidades para o interior — 74% dos quilómetros respeitam a estradas de proximidade (1362 km). Acresce que 89% dos quilómetros construídos são no interior do país, opção que contrasta com as escolhas dos governos de Durão e Santana Lopes, em cujos consulados os quilómetros construídos foram todos em auto-estradas e no litoral.

segunda-feira, março 31, 2014

Entrevista do chinês:
a prova de que a mentira e a calúnia moldaram o PSD [3]

Não é comum depararmo-nos com entrevistas polvilhadas com tantas mentiras como aconteceu com a de Barroso ao Expresso/SIC. Dez anos depois, o chinês aparece-nos em grande forma: não apenas escamoteou os efeitos da arquitectura disfuncional do euro como remeteu para os «governos nacionais» a responsabilidade pela situação vivida durante a crise das dívidas soberanas. E de caminho negou que a Comissão Europeia tivesse aprovado um plano de investimentos públicos no auge da crise.

Deixemos de lado a questão da arquitectura disfuncional do euro, porque ao longo da entrevista se percebe que o presidente da Comissão Europeia se sentiu impotente para mexer uma palha, admitindo implicitamente o fracasso dos seus dois mandatos.

Ricardo Reis, O consumo público em Portugal – Um olhar desde 1985

Contudo, quanto à responsabilidade dos «governos nacionais», convém refrescar a memória de Barroso. Antes da crise do subprime, foram os Governos do PSD, em especial o de Barroso e o de Santana, os que mais fizeram crescer a dívida, sendo que o de Sócrates foi o único que a reduziu. Pode confirmar-se isso num estudo de Ricardo Reis intitulado O consumo público em Portugal – Um olhar desde 1985. Veja-se também o que diz Luís Reis Ribeiro num artigo intitulado Governo de Barroso foi o que mais subiu dívida antes do subprime.

A European Economic Recovery Plan

Quando a Europa se apercebe dos efeitos da maior crise dos últimos 80 anos, procurou, ainda que timidamente, incentivar os governos a apostar no investimento público. O próprio Durão Barroso anunciou plano de propostas para o relançamento da economia europeia, orçado em 200 mil milhões de euros. O tal plano é este: A European Economic Recovery Plan.

Foi nesse contexto que o Governo de então se propôs tomar medidas nos seguintes eixos prioritários: modernização do parque escolar, energias renováveis, eficiência energética e redes de transporte de energia, modernização da infra-estrutura tecnológica (redes de banda larga de nova geração) e reabilitação urbana. Portanto, com o apoio da Comissão Europeia (e de Durão Barroso).

O chinês sente-se à vontade para mentir e aldrabar porque sabe que não será sujeito a um simples fact checking.

sexta-feira, janeiro 31, 2014

Pode até ser brilhante e até original
mas na parte em que é brilhante não é original
e na parte em que é original não parece ser brilhante

• Pedro Silva Pereira, Valor acrescentado:
    ‘O Grupo de Trabalho nomeado pelo Governo para indicar os grandes investimentos a realizar até 2020 apresentou esta semana as suas conclusões finais, em mais de 400 páginas. Mas o mais interessante contributo do relatório está logo no título: os investimentos públicos, até aqui considerados despesistas e megalómanos, passam a designar-se "infraestruturas de elevado valor acrescentado".

    Ao contrário do que seria legítimo esperar, não foi preciso nenhum novo estudo custo-benefício (digno desse nome) para o grupo nomeado pelo Governo propor uma reviravolta na consideração de muitos investimentos projectados no passado e propor para decisão 30 projectos "prioritários", que implicarão nada menos de 5.100 milhões de euros de investimento (em que 1.400 milhões terão de vir directamente do Orçamento de Estado, isto é, dos contribuintes). Quem diria que ainda sob a égide deste Governo, que disse o que disse, seriam propostas como grandes prioridades nacionais obras como o aumento para mais do dobro (!) da capacidade do Terminal de Contentores de Alcântara ou a construção do IP3 Coimbra-Viseu com "características geométricas em planta e em perfil (...) definidas para a velocidade base de 120 km/h"?

    O que se conclui desta mudança é que a diabolização do investimento público, embora articulada com um discurso ideológico contra o Estado, visou essencialmente cumprir uma função rasteira no combate político-partidário, ao mesmo tempo que dava o seu contributo para estes três anos de recessão económica pretensamente regeneradora. Bastou a abertura de um novo ciclo de programação dos fundos comunitários para se dar o dito por não dito e aí temos o Governo, como se nada fosse, a relançar projectos que até ontem eram demonizados.

    A surpresa maior, todavia, vai para um projecto novo: o novo Terminal de Contentores da Trafaria (ou, como agora se admite, no Barreiro), associado a um novo porto de águas profundas. Trata-se de um investimento estimado de pelo menos 600 milhões de euros, a que há que juntar o custo das complexas ligações ferroviárias. Não deixa de ser extraordinário que, sem qualquer estudo que fundamente capazmente essa opção, se insista num projecto de investimento manifestamente conflituante com o plano de expansão do Porto de Sines, igualmente considerado prioritário - para já não falar dos custos, da irracionalidade e da mais que provável inviabilidade ambiental da ligação ferroviária a esse novo Terminal na margem Sul do Porto de Lisboa.

    A insistência num projecto tão absurdo não é apenas uma proposta errada, que pode simplesmente ser descartada na decisão final. É, sobretudo, um péssimo sinal: um sinal de que o relatório colocado à discussão pública não é o exercício técnico isento e fundamentado que deveria ser. Pode até ser brilhante e até original mas, infelizmente, na parte em que é brilhante não é original e na parte em que é original não parece ser brilhante.’