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segunda-feira, novembro 16, 2015

Passos Calvinball


• João Galamba, Passos Calvinball:
    «Depois de 4 anos em choque com a Constituição, Passos Coelho parece querer ir mais longe e está mesmo disposto a romper com o património do seu próprio partido em matéria de organização do sistema político. Segundo o próprio PSD, foi a revisão constitucional de 1982 que finalmente instituiu a democracia em Portugal. Ora, são os princípios que essa revisão constitucional plenamente consagrou que Passos Coelho vem agora pôr em causa.

    Passos Coelho acusa a maioria absoluta de deputados que rejeitou o seu Governo de golpismo parlamentar e diz ser a sua vez de governar. E volta a referir-se à Constituição como sendo uma espécie de força bloqueio, desta vez porque não permite a dissolução da Assembleia da República nos seis meses após a sua eleição. Ao contrário do que sugere Passos Coelho, a não-dissolução da Assembleia da República nos seis meses após a sua eleição não é uma norma que impede a realização de eleições legislativas. É, isso sim, uma norma que existe para que as eleições legislativas que acabaram de se realizar sejam valorizadas e respeitadas nos seus resultados.

    (…)

    Quando ouvimos o que tem dito Passos Coelho ficamos com uma ideia da revisão constitucional que desejaria. Para além de se poder cortar salários, pensões e prestações sociais contributivas sempre que tal dê jeito em matéria orçamental, a Constituição de Passos Coelho também determinaria que, quando a direita ganha com maioria relativa, uma parte da maioria absoluta que se lhe opõe tem a obrigação (constitucional) de a apoiar. Instituída constitucionalmente a figura da coação parlamentar, Passos Coelho governaria legitimamente, como acha que é hoje o seu direito. Até que esse delírio ocorra, vigoram as regras que temos e que determinam que governa quem tiver uma maioria parlamentar e não governa quem não a tem. Ponto final.»

domingo, novembro 15, 2015

Da série "Frases que impõem respeito" [954]


Portugal errou ao querer ganhar o concurso de beleza da austeridade.

quarta-feira, outubro 28, 2015

Pode a esquerda romper com a austeridade?


• Alexandre Abreu, Pode a esquerda romper com a austeridade?:
    «(…) Em diversos sentidos muito importantes, é possível romper de forma significativa com a austeridade mesmo dentro dos constrangimentos do euro, da dívida e das regras europeias. Os planos principais em que estes constrangimentos se fazem sentir são, por um lado, a pressão sobre o orçamento (directamente por via das regras e indirectamente por via do serviço da divida) e, por outro lado, o equilíbrio das contas externas (por causa da inexistência de autonomia cambial). E quer num plano quer no outro, é possível fazer diferente, e muito melhor, do que a direita.

    No plano orçamental, vale a pena recordar que é possível alcançar o mesmo saldo com diferentes combinações de receita e despesa – sendo também conhecido, inclusivamente por via de análises empíricas do próprio FMI, que em contextos de forte subutilização da capacidade produtiva o multiplicador da despesa é muito maior do que o multiplicador da receita. Isto significa que o mesmo resultado orçamental será menos recessivo se alcançado através de aumentos de impostos do que de cortes da despesa – e mais expansivo se obtido mediante aumentos da despesa do que de cortes de impostos.

    Sabendo-se entretanto que a carga fiscal é já extremamente elevada, sobretudo para a classe média, a forma socialmente mais justa e economicamente mais eficaz de fazê-lo será através do aumento da tributação sobre os mais ricos, não só em sede de IRS (que tributa o fluxo) como incidindo também sobre a riqueza (o stock). Para um mesmo saldo orçamental, conseguir-se-á assim não apenas mais justiça social, corrigindo a iníqua distribuição dos sacrifícios que tanto agravou a pobreza e a desigualdade nos últimos quatro anos, como um melhor desempenho macroeconómico, dado o mais elevado multiplicador orçamental da despesa e e a maior propensão para o consumo dos grupos de menor rendimento. As medidas de redistribuição não se limitam a promover a justiça social; são também expansivas do ponto de vista macroeconómico.

    Mas a esquerda pode também fazer melhor ao nível das contas externas, mesmo dentro dos constrangimentos conhecidos. Neste domínio, a estratégia da direita (a chamada desvalorização interna) consistiu em promover a desvalorização dos salários em toda a economia (tanto no sector exportador como não-exportador), de modo a alcançar ganhos de competitividade externa, a par da redução das importações por via da compressão do poder de compra. Esta estratégia revelou-se não só socialmente nefasta e injusta, prejudicando os trabalhadores, como também em larga medida contraproducente (pois acentua a recessão, na medida em que os salários são uma componente central da procura interna). Mesmo na ausência de instrumentos mais adequados (designadamente a moeda própria), a actuação da esquerda deve distinguir-se por ser muito mais direccionada para o sector exportador, através do apoio à inovação e à inserção internacional e através da redução dos custos não-laborais. Há muito que pode ser feito para promover o equilíbrio das contas externas sem por em causa os salários.

    Mas acima de tudo, a esquerda pode e deve romper com a austeridade mesmo sem por em causa os compromissos internacionais porque, em última instância, a austeridade não é uma questão meramente macroeconómica, mas uma questão de justiça e injustiça social. Mais do que um qualquer saldo orçamental, austeridade significa ataque ao estado social, redução dos apoios sociais e corte dos salários e pensões. É outro nome para o aprofundamento da desigualdade em benefício dos interesses particulares das elites. E se o euro, a dívida e as regras europeias limitam os ganhos que podem ser alcançados a esse nível, não impedem que se detenha e comece a inverter o rumo de degradação a que temos sido sujeitos.»

sexta-feira, setembro 25, 2015

«Nunca foi tão útil votar no PS!»


• Pedro Silva Pereira, A esquerda está a brincar com o fogo:
    «Depois destes quatro anos de grave retrocesso económico e social, seria bom que a esquerda deixasse de brincar com o fogo. O aviso das sondagens aí está e não podia ser mais claro: dispersar votos pelos pequenos partidos de protesto é oferecer outra vez a vitória à direita. Vale a pena pensar nisso antes que seja tarde.

    Para aqueles que estão descontentes com a política de austeridade de Passos e Portas, a prioridade política é bastante óbvia: eleger outra maioria, outro governo e outro Presidente. Acontece que não há forma de o conseguir sem uma vitória do Partido Socialista nas próximas eleições legislativas.

    É certo, o boletim de voto que os portugueses vão receber no próximo dia 4 é longo. Muito longo. Não faltam partidos e coligações para todos os gostos, incluindo até diversas forças políticas constituídas de fresco para a ocasião (não fosse escassear a margem de escolha dos eleitores...). No essencial, porém, esta diversidade é apenas aparente - e as aparências, como é sabido, iludem. De facto, os partidos concorrentes, sendo todos diferentes, são também quase todos iguais num aspecto decisivo: a consequência política do voto. Bem vistas as coisas, há um único voto que promove e garante a mudança de Governo: o voto no Partido Socialista. Todos os outros votos - ou porque confirmam o mandato do actual Governo ou porque se dispersam pelos partidos mais pequenos da oposição, abdicando de determinar o vencedor - favorecem objectivamente a vitória da direita. Portanto, é caso para dizer: nunca foi tão útil votar no PS!

    Concentrar votos no PS - única plataforma política da oposição que tem reais possibilidades de ganhar - é, pois, a única estratégia ganhadora que os eleitores de esquerda e os adversários da austeridade podem ter. E não há sequer boas desculpas para que isso não aconteça. Por um lado, porque o Partido Socialista se apresenta a estas eleições com uma agenda claramente defensora do Estado Social e oposta à política de austeridade. Por outro, porque o PS tem na sua liderança António Costa, que já provou na Câmara de Lisboa ser capaz de governar com base em compromissos políticos alargados, muito para lá das fronteiras do PS.

    Naturalmente, são legítimas e respeitáveis as simpatias políticas de cada um. Mas convém ter em conta que só haverá mudança de governo se António Costa ganhar. E isto não é uma opinião, é um facto. Depois não digam que ninguém avisou.»

«Passos e Portas não impuseram em 2014 a "contribuição de sustentabilidade" que cortava definitivamente — de-fi-ni-ti-va-men-te, repita-se — as pensões contributivas acima de mil euros?»

— Ó Pedro, e se pensionistas se lembram de que os queríamos asfixiar,
tornando definitiva a «contribuição de sustentabilidade»?

• Fernanda Câncio, Parabéns à PAF:
    «A coligação Passos-Portas não precisava de aparecer à frente nas sondagens para merecer ser congratulada pela sua extraordinária performance. Admita-se: passava pela cabeça de alguém que quem andou quatro anos a cortar pensões escolhesse colocar o assunto no centro da campanha, acusando o PS de o querer fazer? A quem ocorreria que a dupla que se esmerou a cortar a eito apoios sociais já sujeitos a condição de recursos, como o complemento solidário para idosos, denegrisse medidas inscritas no programa do PS que visam certificar que outras ajudas do Estado vão só para quem delas precisa e portanto o dinheiro dos impostos de todos é bem utilizado? A quem lembraria senão à genial desvergonha de Passos e Portas fazer disto um dos principais motes do seu discurso e do ataque ao PS?

    E o melhor é que resulta. Perante tal absurdo, que fazem PS e demais partidos da oposição (e os jornalistas)? Ficam tão aparvalhados que se limitam a ripostar com o corte de 600 milhões na Segurança Social com que a coligação se comprometeu em abril em Bruxelas e a admissão, à época, da ministra das Finanças de que isso significava cortar pensões. Como se não houvesse mais nada para dizer. Então, alminhas, Passos e Portas não impuseram em 2014 a "contribuição de sustentabilidade" que cortava definitivamente — de-fi-ni-ti-va-men-te, repita-se — as pensões contributivas acima de mil euros?

    A ver se nos entendemos, que anda toda a gente esquecida, distraída ou mesmo doida varrida: se o Tribunal Constitucional não tivesse chumbado a medida, todas as pensões acima dos mil euros estavam com corte definitivo desde o início deste ano. E não apenas essas: Passos e Portas quiseram tirar, com efeito a partir de 2014, 10% a todas as pensões da Caixa Geral de Aposentações acima dos 600 euros ilíquidos. Também para sempre. E ainda tentaram reduzir a partir de 2014 as pensões de sobrevivência - ou seja, as que recebem os sobrevivos de um familiar - desde que o beneficiário tivesse uma pensão própria e a soma das duas ultrapassasse dois mil euros ilíquidos. Estes três cortes definitivos de pensões estariam hoje em vigor caso o TC não os tivesse impedido.

    Mas já se varreu a toda a gente. De tal modo que ainda ontem Luís Montenegro, líder da bancada parlamentar do PSD, esteve na TVI a declamar poemas de amor: "A paternidade dessas medidas de corte de salários e pensões é do PS"; "Estamos felizmente a devolver rendimento às pessoas, os pensionistas já não têm de ter sobre eles a pressão que tinham há dois ou três anos." O homem que comandou as suas hostes no voto a favor dos cortes definitivos de pensões e de salários e invetivou duramente o Tribunal Constitucional por os obstaculizar bate agora palminhas à "devolução". Coitado de Ricardo Araújo Pereira, em cujo programa isto se passou; nem ele tem andamento para parodiantes destes. Deviam até mudar o nome: "muito à frente" - de fuga para a frente - é que era.»

quarta-feira, setembro 23, 2015

Um rombo no porta-aviões

© João Cóias

• Pedro Adão e Silva, Um rombo no porta-aviões:
    «A credibilidade é como um porta-aviões: demora tempo a construir, é muito custosa, move-se lentamente, mas quando sofre um rombo e começa a meter água, torna-se difícil de estancar.

    Os dados hoje reportados pelo INE relativos ao défice de 2014 e à execução orçamental do primeiro semestre de 2015 são um autêntico rombo na credibilidade da coligação PàF, precisamente numa dimensão em que assentava uma parte essencial da afirmação política da dupla Passos Coelho/Paulo Portas - a boa gestão das contas públicas.

    Os dados hoje confirmados servem para revelar, uma vez mais, que o Governo foi incapaz de cumprir uma única meta relativa ao défice ou à dívida ao longo da legislatura. O que, de facto, aconteceu foi que foram cumpridas metas revistas e renegociadas, mas nunca as originalmente definidas.

    Como se tal não fosse suficiente, enquanto o porta-aviões das contas públicas começou a meter água, ficaram claros os efeitos do BES e a incapacidade de concretizar a estratégia de consolidação orçamental para 2015 (o tal ano em que a sobretaxa seria parcialmente devolvida).

    A resolução do BES, que não teria custos para os contribuintes, tem, para já, um impacto orçamental em 2014, mas não deixará de ter impacto no futuro. Hoje sabemos que a resolução do BES colocou o défice de 2014 em 7,2%, mas ainda não sabemos o impacto da resolução no défice de 2015, por força das necessidades adicionais de capital, e nos anos seguintes, consequência dos custos de litigância e eventuais novas necessidades de capital.

    Não menos grave é a forma como fica exposta a ilusão alimentada há um ano. O que era imperioso - vender depressa - revelou-se impossível e agora até é visto como uma vantagem. Passos Coelho, demonstrando uma inclinação imparável para reescrever a história ao sabor de cada momento, disse mesmo, hoje, que "quanto mais tempo demorar a vender o Novo Banco mais juros o Estado recebe desse empréstimo" (sic). No fundo, a dívida já não é só para ser gerida, é mesmo para ser aumentada, pois o Estado pode beneficiar dos juros. Podia só ser insólito, mas, como acabaremos todos por descobrir, é bem mais do que isso.

    Para o fim, a execução orçamental de 2015. Em Julho, o primeiro-ministro garantia que o défice ficaria este ano "claramente abaixo dos 3%". Sabemos hoje que só no primeiro semestre o défice atingiu 4,7% do PIB, o que inviabiliza os 2,7% previstos para o final do ano. Agora, para cumprir a meta, seria necessário ter um défice inferior a 1% na segunda metade do ano. É fácil perceber que não será alcançado.

    Infelizmente há uma outra coisa que sabemos sobre porta-aviões. As reparações são complexas e também muito dispendiosas. É isso que vai sobrar para o dia 5 de Outubro.»

«É preciso ir votar em quem forme outro governo»

— Ó Pedro, com estes défices, nem eu consigo ludibriar.

    «1. Cortaram salários, cortaram pensões, aumentaram o IVA, aumentaram o IRC, aumentaram o IMI, retiraram o complemento solidário a milhares de idosos, aumentaram as turmas das escolas, acabaram com atividades de enriquecimento curricular, corataram nos apoios a alunos com deficiência, cortaram no ensino geral, no profissional e no artístico, deixaram de contratar médicos, enfermeiros e professores, venderam empresas ao desbarato, cortaram no financiamento de hospitais, universidades, escolas, cortaram no abono de família, desfalcaram urgências, etc., etc., porque supostamente era preciso reduzir a dívida e baixar o défice, antes de qualquer outra coisa e de qualquer modo que fosse.

    2. Hoje, a dívida é maior.

    3. O défice de 2014 foi de 7%, o mesmo valor de 2011. O défice do primeiro semestre de 2015 foi de 5%.

    4. Portugueses, querem premiar quem fez isto, ainda por cima com desprezo pelos mais pobres e idosos e pelas classes médias, e com veneração pelos habilidosos a quem deram rios a ganhar com assessorias, consultorias, ajustes diretos e empresas vendidas por tuta e meia?

    5. Pois eu tenho uma posição bem clara: rua com eles! Mas, para os pôr na rua, não basta desabafar. É preciso ir votar em quem forme outro governo.»

segunda-feira, setembro 14, 2015

O papão do consumo


• João Galamba, O papão do consumo:
    «Passos Coelho é especialista em mitos cuja maioria nem chega a ser urbano. No seu debate com António Costa, o líder da coligação PSD-CDS tentou agitar o papão do regresso ao passado.

    Não apresentou argumentos, apenas repetiu, muitas vezes em desespero e porque não tinha mais nada para dizer, as palavras "regresso ao passado" e "Sócrates". Passos Coelho afirma - o que não é o mesmo que argumentar - que as propostas do PS são um perigo porque assentam em estímulos ao consumo. Vamos por partes.

    Em primeiro lugar, Passos tem de perceber que houve um estímulo ao consumo significativo durante o seu mandato. Não porque Passos Coelho o desejasse, mas porque lhe foi imposto. É preciso recordar que, no final de 2012, Passos Coelho anunciou querer cortes adicionais de quatro mil milhões de euros nos rendimentos dos portugueses. Em Abril de 2013, na sequência de mais um acórdão do Tribunal Constitucional (TC), Passos Coelho reafirmava esse plano de cortes violentos nos rendimentos de muitas centenas de milhares de portugueses, alertando, à semelhança do que faz hoje com as propostas do PS, para os perigos de não fazer esses cortes, alegadamente salvíficos.

    Acontece que - felizmente - esses cortes foram sucessivamente travados e os rendimentos de pensionistas, funcionários públicos e de quem recebe prestações sociais como subsídio de desemprego e subsídio de doença, acabaram por ser muito mais elevados do que desejava Passos Coelho (cerca de três mil milhões de euros mais elevados). O resultado é conhecido: o efeito conjunto das decisões do TC, da queda do preço de petróleo e das taxas de juro constituiu um choque no rendimento dos portugueses que teve efeitos poderosos na procura interna. Portugal saiu da recessão de 2011/13 à custa da procura interna, praticamente toda explicada pela recuperação do consumo.

    Em segundo lugar, Passos, embora agite o papão do consumo, prevê, no seu PEC 2015/19 enviado a Bruxelas em Abril deste ano, uma evolução da economia praticamente toda assente na recuperação desse indicador. Em 2019, último ano das projecções do PEC da coligação, é suposto que o consumo represente 65% do PIB, percentagem superior à verificada em 2010, quando era apenas de 62%. A retórica de Passos critica aquilo que lhe permitiu, no passado, sair da recessão e critica aquilo que assegura grande parte do crescimento previsto até 2019. Se já estamos habituados a que o discurso de Passos Coelho não bata certo com a realidade, aqui a contradição é ainda maior: é o discurso de Passos Coelho que não cola com as suas próprias previsões. Em matéria de consumo, a grande diferença entre o programa do PS e o "programa" da coligação não é a sua evolução e o seu peso na retoma.

    Tanto o PS como a coligação prevêem crescimentos do consumo, porque, como vimos nos últimos anos, não há recuperação económica possível sem uma evolução positiva deste indicador. A diferença entre os dois programas é que só o do PS tem medidas de recuperação de rendimento que sustentem essa evolução. O corte de 600 milhões nas pensões previsto para 2016, o adiamento, para o final da legislatura, da devolução dos cortes nos vencimentos dos funcionários públicos e a ausência de quaisquer medidas adicionais que aumentem o rendimento dos portugueses contrariam as previsões da própria coligação para a evolução positiva do consumo e, ao invés de reforçar a retoma prevista, penalizam-na.

    Embora a recuperação do consumo seja necessária, ela não é suficiente. Se só houver consumo, a recuperação não é sustentável e gera desequilíbrios. É por isso essencial criar condições para que, juntamente com o crescimento do consumo, também haja uma forte aceleração do investimento (público e privado) que aumente a capacidade produtiva do país, garantindo que podemos crescer de forma sustentável. Não há retoma sem consumo e não há retoma sustentável sem que haja investimento modernizador. Por essa razão, o PS propõe actuar simultaneamente do lado da procura e do lado da oferta. Se não houver uma retoma robusta do investimento, os bancos continuarão dedicados a aumentar o crédito ao consumo, em vez de canalizar o dinheiro para as empresas. Consumo assente no crescimento do rendimento, e não no crédito ao consumo para a compra de automóveis, investimento assente na cooperação estratégica entre o estado e os agentes económicos, para que, conjuntamente, Portugal possa crescer de forma robusta e sustentada, criando emprego de qualidade.»

sábado, setembro 12, 2015

Se tanto insistem em falar do passado,
quem chamou a troika em 2011?


Convenhamos que não seria fácil fazer a apologia da política austeritária de «ir além da troika», o tal empobrecimento de que falava Passos Coelho (depois de vencer as eleições), método eficaz para retirar 7,6 mil milhões a salários e doar 2,5 mil milhões ao capital. Por isso, Passos Coelho & Portas pretenderam fingir-se de mortos na campanha eleitoral.

No entanto, ao não conseguir fugir dos debates na televisão, a coligação de direita provou que os receios tinham razão de ser. Está a ser um descalabro: Passos Coelho saiu a cambalear do confronto com António Costa, Paulo Portas embatocou perante Catarina Martins e, ontem, Passos Coelho voltou a espalhar-se ao comprido quando a coordenadora do BE fez alusão ao desastre do Novo Banco e à privatização escondida das receitas da Segurança Social (através do recurso ao plafonamento).

Em desespero, Passos Coelho ainda tentou ressuscitar a coligação negativa de antigamente, mas o expediente não resultou (cf. debate, ao minuto 23):
    Passos Coelho — Isto é quase tão próximo como aquela afirmação de que foi o PSD que chamou a troika

    Catarina Martins — Por acaso eu acho que chamou mesmo.

Pois, se o leitor ainda tem dúvidas de quem escancarou as portas à troika, pode ler um relato dos dias trágicos em que a direita se entendeu sobre a necessidade de encontrar um pé-de-cabra para virar o país do avesso: A prova dos factos: afinal, quem chamou a troika em 2011?

segunda-feira, setembro 07, 2015

Até tu, Luciano Amaral?


Por que razão a coligação de direita:
    • não tem programa?
    • Passos Coelho anda escondido, tendo até recusado dar entrevistas à RTP, SIC e TVI (mas não à CMTV)?
    • nenhum economista de direita dá a cara pela coligação de direita (salvo Maria Luís)?
Luciano Amaral responde:
    «A coligação propõe, no essencial, continuar o que fez até aqui: austeridade, para cumprir o que foi acordado com os credores e pouco mais do que isso. São um bocado deslocadas as críticas que o PS faz ao PSD e ao CDS sobre o facto de não terem ‘programa’. Porque toda a gente sabe qual é o seu ‘programa’: continuar a fazer a mesma coisa

segunda-feira, agosto 31, 2015

A vitória da culpa

Expresso, edição de 29 de Agosto
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quarta-feira, agosto 26, 2015

«A produtividade que precisamos
não é a que resulta da redução do salário,
mas do aumento do valor produzido»

Terceira carta do secretário-geral do PS destaca conhecimento e inovação

• António Costa, O conhecimento e a inovação são a chave do desenvolvimento:
    «Nestas eleições, temos uma decisão de fundo a tomar sobre o nosso modelo de desenvolvimento: aceitamos, como a direita defende, que só com empobrecimento e precariedade seremos competitivos ou, em alternativa, batemo-nos por um modelo que investe no conhecimento e na inovação como a chave do desenvolvimento?

    Os nossos setores económicos tradicionais são mesmo o bom exemplo do rumo certo para alcançarmos os resultados desejados. Quando foram considerados sem futuro, que fizeram? Prosseguiram a estratégia de reduzir custos com recurso à mão de obra infantil e à contrafação? Não, não fizeram isso. Pelo contrário! Apostaram na inovação, na qualificação da gestão, na diferenciação dos seus produtos, competindo pelo valor acrescentado. E assim se modernizaram importantes setores no calçado, no têxtil, no agroalimentar ou na metalomecânica.

    A cultura, a ciência, a educação e a formação ao longo da vida são os pilares da sociedade do conhecimento, garantia de uma cidadania ativa, condição da capacidade para enfrentar as incertezas do futuro, habitat natural de uma economia empreendedora, criativa, inovadora e que se internacionaliza.

    Para crescer, temos de recuperar competitividade. A direita defende que é empobrecendo coletivamente, reduzindo salários, eliminando direitos laborais, privatizando o estado social, diminuindo os impostos sobre as empresas, que seremos competitivos. O resultado desta estratégia está à vista. Regredimos a 2002 no PIB, a 1990 no investimento… E mesmo as tão faladas exportações limitaram-se a evoluir em linha com o período 2005/2008 e graças a investimentos decididos antes de 2011.

    Não podemos prosseguir esta trajetória de retrocesso. O nosso caminho é o da inovação e inovar exige investimento no conhecimento. Esta é a primeira grande opção sobre o modelo de sociedade em que queremos viver. Porque esta opção tem consequências várias, por exemplo, na visão sobre o mercado de trabalho ou na fiscalidade. Não há empresas inovadoras assentes na precariedade. Inovação exige investir na qualificação e na formação ao longo da vida dos trabalhadores. A precariedade é o incentivo errado. A produtividade que precisamos não é a que resulta da redução do salário, mas do aumento do valor produzido. Temos de realinhar os incentivos: em alternativa à redução indiscriminada do IRC ou da TSU, devemos ser seletivos, concentrando os incentivos nos investimentos em inovação e no combate à precariedade laboral.

    Por isso, o que é prioritário? Promover a cultura e a ciência, combater o insucesso escolar e garantir os 12 anos de escolaridade, apostar na educação de adultos e na formação ao longo da vida, valorizar o ensino superior, investir em centros tecnológicos e no emprego massivo de jovens licenciados na modernização do tecido empresarial, apoiar a capitalização das empresas, o empreendedorismo, a internacionalização.

    Queremos travar o êxodo dos jovens mais qualificados? Queremos aumentar a natalidade? Apostemos na inovação, pois só assim teremos emprego de qualidade. Ao contrário do que a direita pensa, as reformas que precisamos no mercado de trabalho não são as que nos permitem competir pela pobreza, mas sim as que nos permitem travar o êxodo migratório dos jovens, com emprego digno, que atraia, fixe e dê confiança no futuro às novas gerações.

    Esta é a primeira opção de fundo que temos de fazer nestas eleições. A minha escolha é clara e é essa que vos proponho. Defendo um modelo de desenvolvimento assente no investimento no conhecimento e na inovação e no combate à precariedade e ao empobrecimento

domingo, julho 19, 2015

Uma pedrada no charco

«O Que Fazer Com Este País» é um livro excelente (e muito útil). Ricardo Paes Mamede desmonta várias ideias feitas que imperam nas conversas de café, como a de que «vivemos acima das nossas possibilidades» (dois terços dos portugueses nunca tiveram acesso a crédito bancário) ou a de que o Estado foi, na década anterior, despesista (os salários na função pública registaram uma variação real negativa de -3,4%, para remunerações inferior a mil euros, e -6,7%, para remunerações superiores). O autor explica a natureza dos problemas com que se debate a economia portuguesa e dá pistas para a sua superação.

Estava a ler o livro quando dei por mim a pensar que não há muitos livros sobre a economia portuguesa. Salvo honrosas excepções, chego à conclusão de que os economistas portugueses (e as suas universidades) se demitiram de procurar soluções alternativas à política austeritária: uns porque se transformaram em meros propagandistas da TINA (There Is No Alternative), outros porque se estiolam em debates que não transpõem os muros das universidades. Até por isso a obra de Ricardo Paes Mamede é uma pedrada no charco.

sexta-feira, julho 17, 2015

Uma explicação fundamentada sobre a situação na Grécia


João Galamba no Frente a frente da SIC Notícias
(via Sítio com vista sobre a cidade)

A narrativa aldrabada


• Pedro Silva Pereira, A narrativa aldrabada:
    «A entrevista do primeiro-ministro à SIC foi um verdadeiro monumento de mistificação e distorção grosseira dos factos. Começou na Grécia, passou pelos números do desemprego e do défice e acabou com o anúncio do fim da austeridade. Na questão da Grécia, chegou a ser patético. Contra toda a evidência testemunhada pelo Mundo inteiro em dias seguidos de elevada tensão negociai, Passos quis convencer-nos de que "houve sempre unanimidade no Eurogrupo", o qual, vejam lá, até deu provas de uma imensa "generosidade" para com a Grécia. Esqueçam, portanto, as resistências da Finlândia e da Alemanha e a preferência de Schäuble pelo 'Grexit' temporário; esqueçam as iniciativas e pressões de Hollande e o sonoro "basta!" de Renzi - nada disso conta. O nosso excelentíssimo primeiro-ministro, que esteve lá, viu tudo ao contrário de toda a gente: total "unanimidade" e profunda "generosidade", garante ele. E, em boa verdade, já que inventou uma história tão bonita, porque não arranjar-lhe também um final feliz? Se bem o pensou, melhor o fez. Vai daí, escolheu para si o papel principal: por acaso, a ideia para o acordo final até foi dele. Também por acaso, mais ninguém reparou nisso. Mas um criativo talentoso nunca deixa que os factos atrapalhem uma boa história.

    Nos números do desemprego, Passos andou perto da desonestidade intelectual. Começou por comparar a evolução da taxa de desemprego entre 2005 e 2011, durante os governos socialistas, omitindo que em 2011 se operou uma quebra de série por alteração da metodologia estatística do INE, o que transforma qualquer comparação linear numa pura fraude. Depois, atribuiu o aumento do desemprego nesse período ao "modelo de desenvolvimento económico socialista", omitindo a redução do desemprego verificada entre 2005 e meados de 2008 e ignorando, ostensivamente, a crise financeira internacional que a partir de 2008 fez o desemprego aumentar não só aqui mas em toda a Europa; finalmente, descreveu uma imaginária dinâmica de criação de emprego na economia, escamoteando o único balanço que interessa: ao fim de quatro anos de governação PSD/CDS, centenas de milhares de empregos foram destruídos e o desemprego é hoje mais alto do que era quando a direita chegou ao poder.

    Depois, veio a conversa dos défices de 2010 e 2011, numa tentativa esfarrapada de justificar a austeridade "além da troika" com as contas alegadamente "mal feitas" do Memorando inicial (que, aliás, o PSD também negociou). Ora, nem o défice oficial de 2010 era desconhecido ao tempo da negociação do Memorando (salvo quanto à fraude estatística operada pelo Governo do PSD na Madeira, sendo que a revisão posterior, e retroactiva, da metodologia estatística do Eurostat em nada alterou o esforço orçamental pedido para efeitos do Memorando), nem o défice registado no primeiro semestre de 2011 (também inflacionado pela fraude estatística do PSD na Madeira) justifica as medidas de austeridade que o Governo, por sua livre opção, de imediato resolveu tomar (designadamente, o corte de 50% do subsídio de Natal, que o Expresso garantiu na altura já estar decidido pelo Governo muito antes de conhecidos os números do défice) e depois ainda agravou mais em 2012 (cortando salários e pensões) e 2013 (com o enorme aumento de impostos). Ao contrário do que diz Passos, a verdade é que houve nisto tudo uma escolha de política orçamental do Governo, que sempre acreditou nas virtudes redentoras da austeridade e do empobrecimento - e gabou-se disso. Acresce, em todo o caso, que o défice de 2011 acabou por ficar muito abaixo (e não muito acima!) da meta prevista no Memorando e isto porque o país dispunha de uma medida alternativa e extraordinária (a transferência dos fundos de pensões), a que o Governo acabou por recorrer já tarde de mais. Por muito que custe, descontado esse efeito extraordinário registado nas contas do segundo semestre de 2011 e a fraude estatística do PSD na Madeira, o famoso défice do primeiro semestre de 2011, que o primeiro-ministro agora diz estar na origem de todos os sacrifícios destes quatro anos, foi MENOR do que o défice obtido na gestão orçamental do segundo semestre de 2011, já com o Governo de Passos e Portas. É por essas e por outras que estes senhores não podem ficar a falar sozinhos sobre tudo isto, como se fosse deles a verdade histórica e a pudessem manipular a seu belo prazer para efeitos de campanha eleitoral.

    Finalmente, o primeiro-ministro acabou a sua entrevista à SIC com chave de ouro, prometendo acabar com as medidas de austeridade e até esboçando uma vaga intenção de "combater as desigualdades". Mas não é nada urgente: fica para a próxima legislatura. Foi aqui que a jornalista Clara de Sousa terá achado que a coisa estava a ir um bocado longe de mais e perguntou como é que o primeiro-ministro conciliava isso com a decisão já anunciada pelo Governo de cortar ainda mais 600 milhões de euros nas pensões de reforma. Infelizmente, não se percebeu nada da resposta.»

domingo, julho 12, 2015

O programa oculto do PàF (Pote à Frente)


A coligação de direita esgota os sucessivos prazos a que se comprometeu para apresentar o seu programa eleitoral. Ontem, reuniram-se os conselhos nacionais do PSD e do CDS para aprovar umas «banalidades» às quais foi dada a altissonante designação de «linhas gerais do programa eleitoral».

Na verdade, a coligação de direita já submeteu o seu programa eleitoral a Bruxelas em Abril: o Programa de Estabilidade (2015-2019) e o Programa Nacional de Reformas (2015). Dada a brutalidade das medidas contempladas, não admira que a sua tradução para português ler esteja a revelar-se uma tarefa complicada.

Assarapantado com a irrevogável demissão de Portas em 2013, Passos Coelho afirmou então: «O programa com que me apresentei pressupunha duas legislaturas e há coisas que quero fazer além do programa de assistência.» Como pretende o alegado primeiro-ministro fazer «coisas» para «além do programa de assistência», ou seja, prosseguir a política austeritária de «ir além da troika»?

Para além do corte de 600 milhões de euros nas pensões de reforma já atribuídas, a coligação de direita está apostada em rebentar definitivamente com o pote. Entre as «reformas estruturais» para a próxima legislatura, estarão previstas estas:
    • Continuação da privatização de empresas públicas (em especial, Águas de Portugal e Caixa Geral de Depósitos, que Passos teve, em 2011, de meter na gaveta);
    • Privatização da Segurança Social, através do plafonamento das pensões;
    • Privatização crescente da Saúde, recorrendo à asfixia financeira do Serviço Nacional de Saúde;
    • Privatização da Educação, mediante a contínua degradação da Escola Pública;
    • Continuação do estrangulamento da classe média, quer através dos impostos (com redução apenas para as empresas e para os contribuintes com rendimentos mais elevados), quer através da «desvalorização salarial».

Este é o programa oculto da coligação do PSD e do CDS. Como transformar este brutal assalto ao pote e empobrecimento da maioria dos portugueses num «conto de crianças»?

segunda-feira, julho 06, 2015

É do interesse nacional o reforço da UE e a superação da crise



    «(…) “Persistir em dar continuidade a uma estratégia errada só pode conduzir ao agravamento dos seus resultados e pôr em causa o próprio projecto europeu”, avisou António Costa, lembrando também que o PS tem defendido a necessidade de se mudar o método e a estratégia para ultrapassar a crise.

    Defendeu também que as “proclamações unilaterais ou a negociações bilaterais entre credores e devedores devem ser substituídas por uma abordagem conjunta e solidária no seio das instituições”, procurando respeitar o “princípio da igualdade entre todos os Estados membros”. Segundo o secretário-geral do PS, “a afirmação clara da integridade irreversível do euro e a recusa inequívoca de qualquer 'Grexit' é urgente para garantir a estabilidade das condições de financiamento no conjunto da zona euro”.

    O líder socialista considera que esta é a “última oportunidade” para o Governo português “adoptar uma posição construtiva” que procure servir o interesse nacional e a necessidade que o país tem de virar a “página da austeridade”, relançando a economia e o emprego e reforçando a confiança no euro.»

Durão Barroso, o amnésico

— Pedro, Rio? E eu?

• João Galamba, Durão Barroso, o amnésico:
    «Durão Barroso, não contente em participar na despudorada e algo obscena operação de recauchutagem política de Miguel Relvas, também decidiu dar o seu valioso contributo para o processo de rescrita da história em curso. Aparentemente, o mesmo Durão Barroso que, em 2010, em 2011, em 2012, em 2013 e em 2014 sempre disse que Portugal não era a Grécia, vem agora, a três meses das eleições, dizer que, afinal, Portugal só não é a Grécia por obra e graça da determinação e firmeza de Passos Coelho.

    Não sei se estão recordados, mas, para além de ter passado os últimos cinco anos a dizer que Portugal não era a Grécia, Durão Barroso, antes da entrada da ‘troika' em Portugal, empenhou-se mesmo em dizer que Portugal não só não era a Grécia como, também, não seria a Irlanda. E não seria nem a Grécia nem a Irlanda porque, ao contrário destes dois países, Portugal não seria intervencionado pela ‘troika'.

    Havia um acordo, no qual o próprio Durão Barroso, na qualidade de presidente da Comissão Europeia, se empenhou, que envolvia Portugal, a Comissão Europeia, o Conselho Europeu e o Banco Central Europeu e que visava impedir um terceiro resgate a um país da zona euro. O empenho de Durão Barroso no chamado PEC 4 foi público, bem como todas as tentativas de evitar que a oposição, e em particular Passos Coelho, não inviabilizassem o acordo que o Governo português e as instituições europeias, bem ou mal, consideravam suficiente para evitar a vinda da ‘troika'.

    Todos sabemos o que se passou. Passos Coelho, forçado a escolher entre os interesses do seu país e os interesses do seu partido, escolheu os segundos, tirou o tapete ao país e empurrou Portugal para a ajuda externa. Tudo isto com a oposição (pública) de Durão Barroso (e de outros líderes europeus). Por essa razão, se há algo que a determinação de Passos conseguiu foi mesmo dinamitar a possibilidade de esse acordo ser bem sucedido.

    Apesar de Portugal ser empurrado para o programa da ‘troika' pela irresponsabilidade de Passos Coelho, Durão Barroso continuou a dizer que, ainda assim, a Grécia era um caso singular. Não só a Grécia tinha um défice e uma dívida pública muito maiores que Portugal, não só o programa grego era significativamente mais duro que o nosso, como o nosso sector exportador já era bastante mais robusto e pujante que o grego, o que atenuou os efeitos da recessão. Portugal, ao contrário da Grécia, nunca teve quedas do PIB de 7% ao ano, nem o PIB português caiu 30% nos últimos quatro anos. Mas não foi certamente por obra e graça de Passos Coelho que isso aconteceu.

    Para além das diferenças que sempre existiram entre os dois casos, se há algo que explica que o caso português não tenha sido tão trágico como o grego é que, na Grécia, não houve Tribunal Constitucional a travar as loucuras austeritárias do governo e da ‘troika'. Se olharmos apenas para o ano de 2012, o ano em que o governo de Passos decidiu ir muito além da ‘troika' e aplicar a tese (grega) da austeridade expansionista, a economia portuguesa colapsou. Não tanto como a grega, é certo, mas foi o ano em que Portugal mais se aproximou dos gregos, com o PIB a cair 4% e com a destruição de 200 mil empregos. Essa loucura foi travada, mas não por Passos, para quem os cortes deviam ser aprofundados, como constava do seu alucinado plano de corte de quatro mil milhões de euros em salários e prestações sociais, anunciado em outubro de 2012 e reafirmado, depois, em abril de 2013. Se a despesa primária grega caiu 30%, a portuguesa, depois de uma queda de cerca de 9% em 2012, com a intervenção do Tribunal Constitucional, a situação mudou radicalmente e Passos Coelho foi obrigado a recuar em parte dos cortes e a devolver rendimento aos portugueses. Ou seja, se não tivemos outro ano igual ao de 2012, não foi seguramente porque Passos não quis; foi o oposto: foi porque não o deixaram.

    É uma pena que Durão Barroso tenha sido atacado pelo vírus dos mitos urbanos e se dedique, sem qualquer pudor ou respeito por quem o ouve, à prática da rescrita da história. É sabido que Durão Barroso ainda acalenta esperanças de ser apoiado por Passos Coelho para Belém. Mas, em política, não vale tudo.»