- ‘A somar à irrelevância na política europeia, cujo consenso austeritário tinha prometido combater mas que se mantém totalmente inalterado, na frente doméstica Hollande anunciou que vai cortar na despesa pública para abrir espaço à redução de impostos das empresas: "Chegou o tempo de resolver o principal problema de França: a sua produção. Sim, disse bem, a produção. Temos de produzir mais, temos de produzir melhor. É sobre a oferta que temos de agir. Sobre a oferta! Isto não é contraditório com a procura. Na verdade, a oferta cria procura". Isto não é um mero recuo ou uma inflexão, é a total capitulação de Hollande.
Um partido que para sobreviver adere às teses dos seus adversários não terá nunca grande futuro, porque os eleitores preferem o original à cópia; quem procurou no PSF uma alternativa às atuais políticas, não tardará muito em olhar para outro lado, provavelmente para a FN, que tem sabido falar para a tradicional base de apoio dos socialistas e que já lidera as sondagens.
Ninguém questiona que a economia e o Estado francês têm problemas que carecem de reformas. O problema do Presidente francês é outro: pior que não ter ideias próprias é optar pelas ideias erradas dos adversários. Se o desafio é produzir mais e melhor, não se percebe em que medida é que reforçar a austeridade, cortando na despesa pública e aumentando o IVA, e baixar as contribuições sociais de todas as empresas resolve o problema: a austeridade deprime a procura, que já é hoje, segundo os próprios empresários franceses, a principal limitação à actividade das empresas, e a redução dos custos de todas as empresas só leva a mais produção, investimento e emprego se as empresas tiveram a quem vender os seus produtos, algo que a austeridade trata de garantir que não acontecerá.
A social-democracia europeia tem de perceber que não poderá ter sucesso enquanto não contestar a política da direita que aposta na compressão da procura interna e na redução dos custos das empresas como via única para a prosperidade. Este não é, em rigor, um problema francês: é um problema europeu. O problema de Hollande é não perceber isto e escolher aderir às políticas que estão a condenar a Europa (e a França) ao definhamento económico, a um crescente descontentamento social e a uma frustração política explosiva.
A resposta da social-democracia não pode ser a de aderir a este suicídio colectivo, mas sim o de procurar enfrentar o problema na sua raiz, que é a de uma estratégia europeia que insiste em tratar a maior zona económica do planeta como se esta fosse uma pequena economia aberta, que pode sacrificar o mercado interno e o poder dos seus cidadãos no altar das exportações. Esta estratégia pode ter resultado para a Alemanha isoladamente, mas não poderá nunca ser generalizada: se todos os países tentarem comprimir a procura e baixar os seus custos de produção, o resultado final será mais recessão em todo o lado e ganhos de competitividade nulos, porque, quando todos fazem o mesmo, ninguém ganha.’