- ‘Como ouso comparar Cavaco a Mandela, perguntar-me-ão. Ora bem: Cavaco, no lugar de Mandela, teria feito muito melhor. Teria sido, explica-nos ele na sua Autobiografia Política, "cauteloso". Como exemplifica na posição que tomou, enquanto primeiro-ministro de Portugal, quando em 1987 se apresentaram na ONU várias resoluções contra a África do Sul: vota, ao lado dos EUA de Reagan e do Reino Unido de Thatcher, contra as sanções económicas, contra a condenação do auxílio militar de Israel ao governo do apartheid e contra a libertação de Mandela numa resolução, votando a favor noutra. A distinção, explicou o atual PR nesta semana, deveu-se ao facto de a primeira resolução defender o direito do povo sul-africano à luta armada, enquanto ele considerava que o "desmantelamento do apartheid" deveria ocorrer "por meios pacíficos, devendo as autoridades de Pretória abrir o diálogo com os representantes da comunidade negra". Muito melhor do que andar aos tiros, com o risco de magoar alguém ou partir alguma coisa, ou até recorrer ao exagero das sanções económicas. Fazia-se cara feia, dizia-se "racista mau, racista feio", e era esperar que eles caíssem neles.
Quando Cameron pede desculpa pela posição do seu país no passado (Obama não precisa, é Obama), Cavaco, admirável de coerência, mantém a sua: luta armada nem pensar; quem o critica é porque "não conheceu Mandela". Ele, que o conheceu, pode ter pedido a libertação de um homem condenado pela luta armada condenando a luta armada. Pode presidir às celebrações do golpe militar (armado) do 25 de Abril, até jurar defender uma Constituição que defende "o direito dos povos à insurreição [armada] contra todas as formas de opressão". Ok. Mas e A Portuguesa? Às armas, às armas? Não podemos fazer isto a um pacifista irrevogável. Mude-se o hino, já. Ou o Presidente.’