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sexta-feira, dezembro 13, 2013

Às ramas, às ramas

• Fernanda Câncio, Às ramas, às ramas:
    ‘Como ouso comparar Cavaco a Mandela, perguntar-me-ão. Ora bem: Cavaco, no lugar de Mandela, teria feito muito melhor. Teria sido, explica-nos ele na sua Autobiografia Política, "cauteloso". Como exemplifica na posição que tomou, enquanto primeiro-ministro de Portugal, quando em 1987 se apresentaram na ONU várias resoluções contra a África do Sul: vota, ao lado dos EUA de Reagan e do Reino Unido de Thatcher, contra as sanções económicas, contra a condenação do auxílio militar de Israel ao governo do apartheid e contra a libertação de Mandela numa resolução, votando a favor noutra. A distinção, explicou o atual PR nesta semana, deveu-se ao facto de a primeira resolução defender o direito do povo sul-africano à luta armada, enquanto ele considerava que o "desmantelamento do apartheid" deveria ocorrer "por meios pacíficos, devendo as autoridades de Pretória abrir o diálogo com os representantes da comunidade negra". Muito melhor do que andar aos tiros, com o risco de magoar alguém ou partir alguma coisa, ou até recorrer ao exagero das sanções económicas. Fazia-se cara feia, dizia-se "racista mau, racista feio", e era esperar que eles caíssem neles.

    Quando Cameron pede desculpa pela posição do seu país no passado (Obama não precisa, é Obama), Cavaco, admirável de coerência, mantém a sua: luta armada nem pensar; quem o critica é porque "não conheceu Mandela". Ele, que o conheceu, pode ter pedido a libertação de um homem condenado pela luta armada condenando a luta armada. Pode presidir às celebrações do golpe militar (armado) do 25 de Abril, até jurar defender uma Constituição que defende "o direito dos povos à insurreição [armada] contra todas as formas de opressão". Ok. Mas e A Portuguesa? Às armas, às armas? Não podemos fazer isto a um pacifista irrevogável. Mude-se o hino, já. Ou o Presidente.’

segunda-feira, dezembro 09, 2013

Política internacional? Sim, temos, a de Reagan e Thatcher

• Daniel Oliveira, Ainda os votos de Portugal na ONU :
    ‘A legitimidade do uso das armas para impor a democracia e erradicar um regime ilegítimo não é matéria de discussão e é improvável que Portugal a pusesse em causa. A nossa democracia foi imposta pelo uso das armas e apoiámos, no período logo a seguir, o direito dos timorenses a usarem a resistência armada. O que corresponde, aliás, ao que se pode ler na nossa Constituição, relativa às relações internacionais, onde Portugal reconhece o direito dos povos "à insurreição contra todas as formas de opressão". Se assim não fosse, Portugal seria o primeiro país radicalmente pacifista à face da terra, que negava o uso da força armada para impor a democracia e um poder legitimo. A posição constante naquela moção é a genericamente aceite em todos os casos semelhantes e foi, aliás, aquela que a ONU adoptou em relação a todos os países colonizados, por exemplo. Não é por acaso que a posição portuguesa foi tão minoritária naquele voto.

    Mas para provar a falta de validade deste argumento não precisamos de tanto debate. Basta olhar para as restantes votações desse mesmo dia. Portugal não votou apenas contra a resolução "A", mas também contra as resoluções "C" (que apelava a vários países, incluindo os EUA e o Reino Unido, a apoiarem as sanções) e "D" (que apelava ao fim da colaboração militar entre Israel e o regime sul-africano). E absteve-se nas resoluções "B" (que reafirmava e especificava sanções à África do Sul), "E" (que solicitava financiamento para o Comité Especial Contra o Apartheid) e "F" (que reforçava as medidas para o embargo de petróleo ao regime sul-africano). Das sete resoluções votadas nesse dia, Portugal apenas aprovou uma. E nenhuma das outras cinco resoluções que não contaram com o seu apoio fazia qualquer referência a qualquer tipo de luta armada.’

domingo, dezembro 08, 2013

Dos pontapés de Cavaco na Constituição às causas das coisas


      “(…) e a posição de Portugal foi sempre clara do princípio ao fim: nós exigimos a libertação dos presos políticos, nós queremos o fim do apartheid, mas não queremos a luta armada (…).”

Chama um leitor a atenção, na caixa de comentários deste post, para o que estabelece a Constituição da República Portuguesa (artigo 7.º, n.º 3): “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.” Depois, o leitor coloca a seguinte questão: para Cavaco Silva, “insurreição” seria o quê?

Se no entender de Cavaco Silva os povos não têm o direito à resistência armada para enfrentarem a opressão e a injustiça, então qual posição de Cavaco Silva em relação aos movimentos de libertação de Angola, de Moçambique e da Guiné? E em relação ao golpe militar do 25 de Abril feito pelo Movimento das Forças Armadas?

Aqui nasce o problema. O regime democrático ignora, para não se envergonhar, que teve dez anos como primeiro-ministro e, se calhar, outros tantos como Presidente da República alguém que, já homem feito, escreveu numa ficha da PIDE/DGS estar “integrado no actual regime” fascista e que não se coibiu, num espaço opcional de observações dessa ficha, de se demarcar do sogro pelo facto de este se ter casado segunda vez: “O sogro casou em segundas núpcias com Maria Mendes Vieira, com quem reside e com quem o declarante não priva.”

A História é indispensável para perceber a realidade que nos cerca.

"Da África do Sul chegava também algum financiamento partidário e apoio eleitoral"


João Gomes Cravinho, embaixador da União Europeia na Índia, escreve no Facebook sobre Portugal e o apartheid:
    ‘(…) Da África do Sul chegava também algum financiamento partidário e apoio eleitoral que não deixava de ter alguma influência.

    Em Lisboa, em vez de se pensar nos interesses de médio prazo de uma comunidade portuguesa que inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, teria de fazer a transição para a democracia, a opção foi no sentido de dar o apoio discreto que fosse possível para aliviar a pressão internacional. É assim que Portugal se vê, nos anos 80, numa posição de alinhamento com as posições de Reagan e Thatcher, destoando da forma como na Europa e em quase todo o mundo se olhava para o regime do apartheid. Foi claramente um erro da política externa portuguesa, porque em vez de preparar a comunidade portuguesa para a transição encorajou-a a manter-se numa posição de defesa intransigente do regime. O resultado foi que a comunidade portuguesa acabou por ser a única que não teve entre os seus membros lutadores contra o apartheid. Gregos, italianos, judeus de muitas partes, brancos de muitas origens lutaram contra o apartheid. Entre os portugueses nem um único nome era conhecido.

    A mudança chegou muitíssimo tarde, quase em cima do colapso do regime. Em particular foi José Cutileiro, que chegou a Pretória como embaixador em 1989, que começou a mandar sinais urgentes para Lisboa quanto à necessidade de mudar de rumo. Estamos portanto a falar de menos de um ano antes da libertação de Nelson Mandela. Claro que a boa educação mandava que houvesse declarações de voto aquando da tomada de posições em Nova Iorque ou Bruxelas, mas a realidade é bastante simples, e espanta agora, vinte e tal anos mais tarde, que se venha sugerir que as posições assumidas pela diplomacia portuguesa eram as melhores possíveis. Não eram, manifestamente não eram.’