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sexta-feira, dezembro 04, 2015

A moção de desconfiança


• Pedro Silva Pereira, A moção de desconfiança:
    «O debate do programa de Governo do PS ficou marcado por dois erros estratégicos da direita: a insistência absurda na pretensa ilegitimidade do Governo apoiado pela maioria parlamentar e uma desastrada moção de rejeição, que esvaziou totalmente o apelo a uma moção de confiança.

    Manda a verdade que se diga, antes de mais, que a nova maioria de esquerda passou com distinção o seu primeiro teste parlamentar. O que estava em causa, naturalmente, não era tanto saber se na votação final a maioria mantinha uma fidelidade sem falhas aos acordos assinados - nessa matéria, tudo correu como esperado.

    A incógnita dizia respeito a outra coisa: a atitude dos diferentes partidos signatários ao longo do debate. E aí, tem de reconhecer-se que a maioria deu provas de uma coesão notável, indo muito além da convergência nas críticas à política do Governo anterior (como seria próprio de uma maioria apenas negativa). De facto, foram abundantes os sinais de solidariedade activa com o Governo do PS e o seu programa, não faltando sequer os aplausos de todos os partidos de esquerda ao novo primeiro-ministro. Quem apostava tudo em encontrar sinais de divisão e divergência, enganou-se nas contas. A tal ponto que, no final, o deputado do CDS, Telmo Correia, não escondeu a sua desilusão: “Já nem o PCP pergunta pelas nacionalizações, nem o Bloco de Esquerda pela reestruturação da dívida”, lamentou. O deputado Passos Coelho foi mesmo mais longe: “A maioria negativa transformou-se em maioria positiva”, reconheceu na sessão de encerramento. E, por uma vez, tinha razão.

    Se do lado da maioria e do Governo as coisas correram francamente bem, a coligação de direita caiu na sua própria armadilha em consequência dos dois erros fatais que cometeu.

    O primeiro erro foi a insistência obsessiva no argumento da pretensa ilegitimidade do Governo. Além de cansativo, esse argumento tem três problemas insanáveis. Em primeiro lugar, é falso: o Governo, devidamente empossado pelo Presidente da República, é obviamente legítimo porque tem o apoio claro da maioria parlamentar que é determinada pela vontade democrática dos portugueses, expressa nos resultados eleitorais.

    Em segundo lugar, é um argumento incompreensível em termos europeus: hoje, são várias as democracias parlamentares europeias em que as soluções de governo não são lideradas pelo partido mais votado nas eleições (é o que sucede, por exemplo, na Dinamarca, Bélgica, Luxemburgo, Letónia e Noruega). Em terceiro lugar, é um argumento desastroso para as eleições presidenciais, porque das duas, uma: ou coloca a direita em inevitável rota de colisão com o seu próprio candidato presidencial ou pretende arrastá-lo para uma posição suicidária que levaria a transformar as eleições presidenciais num verdadeiro plebiscito ao Governo.

    O segundo erro estratégico da direita não foi menos evidente: a apresentação de uma moção de rejeição do programa do Governo esvaziou de sentido os insistentes apelos à apresentação de uma moção de confiança por parte do Executivo. Como é óbvio, não pode vencer um debate quem vai para ele com duas estratégias contraditórias. E o certo que a moção de rejeição, anunciada para funcionar como uma “clarificadora” moção de desconfiança, se tornou naquilo que não queria ser: uma boa oportunidade para a nova maioria afirmar, de forma clara, a sua confiança no Governo do Partido Socialista.

    Contas feitas, o Governo sai deste debate com mais do que um programa validado e a plenitude de funções que decorre da investidura parlamentar. O que obteve foi muito mais do que aquilo que pediu: a confirmação de um apoio claro por parte da nova maioria.»

sexta-feira, novembro 27, 2015

«Finge tão completamente que chega a fingir
que é rancor o rancor que deveras sente»


• Pedro Silva Pereira, A grande encenação:
    «Tudo acabou como tinha de acabar: com o PR a nomear António Costa como primeiro-ministro, a dar posse a um governo socialista e a submeter-se à vontade democrática da maioria do Parlamento.

    O “spin” presidencial ditou e houve logo quem repetisse: o Presidente pôs “condições” e fez “exigências”. Obviamente foi tudo a fingir: o facto é que António Costa tomou posse sem mudar uma vírgula ou acrescentar um ponto nos acordos que assinou.

    Entendamo-nos: uma coisa são “condições”, outra são “exigências”, outra ainda, bastante diferente, são “pedidos de esclarecimento”. E foram apenas meia dúzia de pedidos de esclarecimento que o Presidente formulou na sua derradeira tentativa de salvar a face e fingir que correspondia aos apelos desesperados de uma direita inconformada, que ele próprio incentivou.

    António Costa e os partidos da maioria parlamentar que o apoia, naturalmente, não se deixaram impressionar e de imediato perceberam que o assunto não merecia sequer uma reunião. O primeiro-ministro “indicado”, fazendo jus ao título, limitou-se a responder de pronto, com impecável cortesia institucional, mas, quanto aos costumes, disse nada: remeteu o Presidente para o conteúdo dos acordos e do programa de Governo do PS que o País inteiro há muito conhecia.

    Em todo este processo, o Presidente da República teimou em fazer “bluff” com os poderes presidenciais, simulando uma autoridade política que nem a Constituição lhe confere, nem o desempenho do cargo lhe granjeou. Confrontado com os resultados eleitorais, que deram lugar ao único cenário que não lhe tinha ocorrido estudar, começou por querer distinguir, como se isso fosse possível, entre os partidos autorizados ou proibidos de apoiar o Governo; depois, ao arrepio do desenho constitucional do sistema de governo, optou por ignorar a posição maioritária dos partidos com assento parlamentar para insistir na nomeação de um governo minoritário da direita, que sabia não ter qualquer viabilidade; rejeitado esse governo pela maioria de esquerda, não escondeu a tentação de se constituir como força de bloqueio da solução governativa proposta pela maioria parlamentar: foi dois dias para a Madeira, enalteceu as virtudes dos governos de gestão, sugeriu até que podia prolongar a situação meses a fio sem inconvenientes de maior e promoveu um caricato corrupio de audiências a um público seleccionado, mas sempre sem fazer o que faria um verdadeiro institucionalista se tivesse realmente dúvidas: ouvir o Conselho de Estado.

    Depois da sugestão de alternativas políticas que nunca existiram e da encenação de exigências que nunca foram feitas, o Presidente ainda inventou a figura exótica da “indicação” do primeiro-ministro para, finalmente, dar a entender que fazia uma espécie de “avaliação curricular” dos novos membros do governo, cuja “aceitação”, por sorte, viria a anunciar. Tudo acabou, porém, como tinha que acabar: com o Presidente da República a nomear António Costa como primeiro-ministro, a dar posse a um governo socialista e a submeter-se à vontade democrática da maioria do Parlamento.

    Se foi preciso dar tantas voltas para chegar ao óbvio, é apenas porque o Presidente é um fingidor. E finge tão completamente que chega a fingir que é rancor o rancor que deveras sente

sexta-feira, novembro 20, 2015

A força de bloqueio


• Pedro Silva Pereira, A força de bloqueio:
    «"Este é o tempo do Presidente", dizem. E é verdade. Mas isso não lhe dá o direito de fazer o País perder tanto tempo para nada. A provocatória viagem à Madeira, ostensivamente a despropósito da urgência que há para resolver, prova que o Presidente não demora porque precisa, mas apenas porque quer.

    A verdade é que já lá vão 47 longos dias desde as eleições de 4 de Outubro. Mas também já passaram 46 dias desde que o Presidente fez folga no dia 5 de Outubro para acabar de estudar "todos os cenários"; 31 dias desde que os partidos foram ao Palácio de Belém informar o Presidente de que um Governo do PS é a única solução viável no novo quadro parlamentar; e 10 dias desde que, como se esperava, a maioria de esquerda rejeitou na Assembleia da República o programa de continuidade do Governo minoritário da direita.

    Fosse a decisão presidencial verdadeiramente complexa - como sucedeu, por exemplo, em 2004, com a surpreendente demissão de Durão Barroso a meio da legislatura e a sua substituição na liderança do Governo por Santana Lopes, que não tinha ido a votos nem no partido nem no País - e até se poderia compreender um processo de decisão demorado, bem como esta imensa romaria de notáveis a caminho de Belém.

    Neste caso, porém, nada disso acontece: nem a situação pode ser considerada imprevista por um Presidente que se gabou de ter estudado "cuidadosamente" todos os cenários, nem as alternativas disponíveis justificam, com um mínimo de razoabilidade, tanta hesitação.

    O problema, como muito bem assinalou esta semana o ex-Presidente da República Jorge Sampaio, reside precisamente aqui: é que nesta situação, em que a posição do parlamento recentemente eleito é absolutamente clara e um governo de gestão não pode ser alternativa que se apresente, "não é justificável adiar por mais tempo a formação de um novo Governo". Cada dia que passa é, por isso, um verdadeiro desperdício, o que vai convertendo o "tempo do Presidente" no "tempão do Presidente".

    Esta demora, por muito que se exaltem as falaciosas virtudes dos governos de gestão, ameaça criar uma situação verdadeiramente explosiva e está já a prejudicar gravemente os interesses do País, ao mesmo tempo que se vão lançando achas para a fogueira de um conflito institucional de consequências imprevisíveis.

    Quem diria que este mandato terminaria com a Presidência da República transformada numa "força de bloqueio" do normal funcionamento das instituições democráticas?»

sexta-feira, novembro 06, 2015

Novo Banco, biombo velho

Imagem daqui

• Pedro Silva Pereira, Novo Banco, biombo velho:
    «Nunca tinha acontecido, mas aconteceu agora: uma entidade pública dependente do Governo teve a extraordinária ousadia de contratar um membro do próprio Governo para exercer uma actividade profissional imediatamente a seguir a deixar o cargo! A inovação, de tão exótica, impressiona. A tal ponto que - valha-nos Deus! - nem quero pensar o que seria se uma coisa destas tivesse acontecido com um governo socialista: sem dúvida, o País estaria hoje mergulhado numa onda de comoção nacional lamentando a quebra de mais uma tão nobre “tradição democrática portuguesa”. Felizmente, não é o caso e podem por isso os moralistas oficiais do regime, sempre tão apegados às tradições, assobiar para o lado e resignar-se à incontornável fatalidade histórica de que a tradição já não é o que era.

    Em causa, obviamente, está a recente contratação do dr. Sérgio Monteiro para liderar o processo de venda do Novo Banco. Não pelas qualidades pessoais ou profissionais do interessado, que não se trata de discutir aqui, mas sim pelas circunstâncias absolutamente anormais do caso.

    A contratação de Sérgio Monteiro para as funções de Project Management Officer do projecto de venda do Novo Banco foi tornada pública por comunicado do Banco de Portugal de 29 de Outubro. A data é importante: nessa altura, o dr. Sérgio Monteiro estava ainda no exercício de funções como membro do Governo, enquanto secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações. Perguntar-se-á, ainda assim, se não será legítimo que o Banco de Portugal, com a autonomia de que goza na gestão dos seus recursos humanos, possa promover negociações com um membro do Governo tendo em vista a sua contratação futura como profissional, desde que esse contrato só produza efeitos terminado o exercício das funções governativas? Tivesse a contratação sido realmente efectuada pelo Banco de Portugal e o caso, embora discutível, poderia ser, apesar de tudo, defensável. Mas a verdade é que o Banco de Portugal não contratou ninguém: limitou-se a emitir um comunicado e a servir, mais uma vez, de biombo do Governo.

    As aparências têm destas coisas: por vezes iludem. Sendo a contratação anunciada pelo Banco de Portugal, em comunicado seu, publicado no respectivo sítio oficial, a imagem que inevitavelmente passa, e sem dúvida se quis passar, é a de que se tratou de uma contratação feita pelo próprio Banco de Portugal. E funcionou: foi exactamente isso que acabou escrito, preto no branco, na maior parte dos jornais. Contudo, uma leitura um pouco mais atenta do segundo parágrafo do comunicado do Banco de Portugal revela, sem margem para dúvidas, que afinal a contratação do então secretário de Estado foi efectuada não pelo Banco de Portugal, que apenas a divulgou, mas sim pelo Fundo de Resolução - o que faz toda a diferença. De facto, o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução não são a mesma coisa. O Fundo de Resolução é uma entidade pública, detida pelo Estado, cujos administradores são maioritariamente nomeados pelo Governo ou com a sua participação. Sendo assim, não há volta a dar: que uma entidade pública, sob tutela governamental, dirigida por administradores maioritariamente nomeados pelo Governo, tenha contratado os serviços profissionais de um membro do Governo em funções, é, obviamente, ultrapassar os mais elementares limites da decência. Que o tenhamos de saber pelo site do vizinho, é ainda mais feio

domingo, novembro 01, 2015

sexta-feira, outubro 30, 2015

O Governo de iniciativa presidencial


• Pedro Silva Pereira, O Governo de iniciativa presidencial:
    «Ouvidos os partidos, todos sabemos que este Governo minoritário da direita toma posse em confronto com a maioria do Parlamento. É, portanto, um Governo de iniciativa presidencial. E é um Governo condenado ao fracasso.

    Face ao debate destes últimos dias, vale a pena chamar a atenção para alguns aspectos essenciais do desenho constitucional do nosso sistema de governo. Como o próprio Presidente da República recentemente reconheceu, desde a revisão constitucional de 1982 que a Constituição portuguesa afasta os chamados "governos de iniciativa presidencial". Mais exactamente, a dupla responsabilidade política do Governo perante o Presidente e a Assembleia da República, prevista na versão original da Constituição de 1976, foi substituída por um modelo de maior pendor parlamentar em que a responsabilidade política do Governo passou a existir exclusivamente perante o Parlamento, sendo complementada por uma mera "responsabilidade institucional" perante o Presidente (a consequência mais visível desta alteração foi a redução da possibilidade do Presidente demitir o Governo aos casos muito excepcionais de "irregular funcionamento das instituições democráticas").

    Esta nova configuração da responsabilidade política teve profundas implicações no desenho do nosso sistema de governo, a ponto de levar muitos constitucionalistas a concluir que o sistema se converteu de semi-presidencial em semi-parlamentar, tal a dominância acrescida que passou a ter a componente parlamentar. De facto, não se tratou apenas de limitar o poder presidencial de demissão do Governo, libertando o Executivo de qualquer forma de tutela ou dependência da confiança política do Presidente. O que ocorreu foi uma alteração bastante profunda, que atingiu os próprios alicerces do sistema de governo: a fonte de legitimidade do Governo, que até então era dupla, passou a estar concentrada exclusivamente no Parlamento, assembleia representativa da Nação. E escusado será lembrar que a vontade do Parlamento, como é norma em democracia, se expressa pela regra da maioria.

    O que de mais importante resulta da revisão constitucional de 1982 para o desenho do nosso sistema de governo é que, embora o Presidente da República seja eleito por sufrágio universal directo, deixa de haver qualquer nexo entre a legitimidade do Presidente da República e a legitimidade do Governo, a qual se passa a fundar exclusivamente na Assembleia democraticamente eleita - e por isso, aliás, não dispensa o teste da "investidura parlamentar" (através da não rejeição do programa do Governo). A novidade, porém, não reside no facto de agora nenhum Governo poder existir apenas "pendurado" no apoio político do Presidente - em bom rigor, isso já era assim mesmo antes da revisão constitucional de 82, visto que a dupla responsabilidade política sempre implicou a sujeição do Governo também ao crivo parlamentar. A verdadeira novidade é outra: a eliminação da responsabilidade política do Governo perante o Presidente, autonomizando a legitimidade do Governo, tornou ilegítimo o uso - ou abuso - dos poderes presidenciais (incluindo o poder de nomeação do primeiro-ministro) para, em claro desvio de poder, forçar o Parlamento a conviver com um Governo de pura iniciativa presidencial.

    É certo, no uso do seu poder de nomeação do primeiro-ministro o Presidente goza de uma relativa margem de interpretação dos resultados eleitorais, embora deva levar em conta a opinião dos partidos com assento parlamentar. Mas num sistema em que o Governo depende exclusivamente da Assembleia, essa margem é tanto mais pequena quanto mais inequívoca for a mensagem que os partidos transmitem ao Presidente. Ora, no caso presente a mensagem dos partidos não podia ter sido mais inequívoca: um governo minoritário da direita não tem qualquer viabilidade parlamentar, ao contrário do que sucede com um Governo formado pelo Partido Socialista. Ainda assim, o Presidente preferiu ignorar a opinião maioritária dos partidos e optou por impor este seu Governo de iniciativa presidencial. Fez mal. Mas fará ainda pior se, contra a Constituição e os superiores interesses nacionais, insistir em abusar dos seus poderes para afrontar o Parlamento, convertendo este Governo de iniciativa presidencial num prolongado e danoso Governo de gestão. Se há coisa que a Constituição não permite é que a Presidência da República seja transformada numa "força de bloqueio" da solução governativa apoiada pela maioria parlamentar que resultou das eleições.»

sexta-feira, outubro 23, 2015

A cerimónia do chá


• Pedro Silva Pereira, A cerimónia do chá:
    «Ao contrário do que alguns parecem pensar, a Constituição não diz que o Presidente da República, antes de nomear o primeiro-ministro, tem de tomar chá com os partidos. Diz, isso sim, que tem de ouvi-los. O que só pode significar uma coisa: a decisão do Presidente deve levar em conta o que os partidos dizem.

    Sucede que os partidos representados na nova Assembleia da República levaram ao Presidente duas mensagens claras: a primeira, é que Passos Coelho falhou na sua missão de garantir a viabilidade política de um governo minoritário da direita, sendo portanto inútil a sua nomeação como primeiro-ministro; a segunda, é que há no novo Parlamento uma nova maioria de esquerda disposta a viabilizar, de forma duradoura, um Governo da iniciativa do Partido Socialista, liderado por António Costa.

    O Presidente ficou, assim, na posse dos dois dados fundamentais de que precisava, nos termos da Constituição, para decidir que primeiro-ministro devia nomear: conhecia os resultados eleitorais e a sua concreta tradução no novo quadro parlamentar (em que nenhuma das candidaturas obteve maioria absoluta) e conhecia, ouvidos os partidos, as exactas implicações desses resultados eleitorais nas condições de viabilidade política do Governo consoante o primeiro-ministro que nomeasse.

    Naturalmente, mesmo na ausência de maioria absoluta, faz todo o sentido conceder ao líder do partido mais votado a precedência na tentativa de reunir as condições políticas para viabilizar um Governo, ainda que minoritário. É o que normalmente se faz antes da nomeação do primeiro-ministro ao abrigo da figura da “indigitação” e que desta vez também foi feito, embora com menos formalismo, quando o Presidente, logo no dia a seguir às eleições, “encarregou” Passos Coelho de encetar diligências para “averiguar” se tinha condições para formar um Governo sólido e estável. Nestes termos, essa precedência, que faz jus à condição do PSD como maior partido parlamentar, já foi cumprida e teve o resultado que todo o País conhece: Passos Coelho, depois de interromper ele próprio as reuniões com o Partido Socialista, teve de reportar ao Presidente não ter conseguido garantir a viabilização do seu putativo Governo, o que aliás foi confirmado por todos os partidos com assento parlamentar. É por isso que a nomeação de Passos Coelho como primeiro-ministro será, certamente, um gesto inútil. Mas será mais do que isso: será também um gesto de desprezo pela posição maioritária dos partidos políticos, cuja audição, embora imposta pela Constituição, é tratada como se fosse irrelevante para a decisão de nomear o primeiro-ministro.

    Dizem alguns, em resposta, que não se pode nem deve “queimar etapas” e que o Governo da força política mais votada deve necessariamente cair no Parlamento. Mas o argumento não colhe: não há na nossa Constituição nenhum percurso de “etapas” na formação do Governo que obrigue o Presidente a proceder a uma nomeação condenada ao insucesso em nome da precedência do partido mais votado. Pelo contrário, o comando constitucional é outro e manda o Presidente nomear o primeiro-ministro tendo em conta “os resultados eleitorais”, em todas as suas implicações, designadamente aquelas que só os partidos políticos estão em condições de esclarecer - e por isso são ouvidos. E o facto é este: pela primeira vez na nossa história democrática é possível o que há muito se tornou comum nas democracias europeias - uma maioria parlamentar sem a participação do partido mais votado. Nomear um primeiro-ministro em condições de liderar um tal Governo não é outra coisa senão respeitar os resultados eleitorais.

    No início deste processo, o Presidente deu conta da sua compreensão do desenho constitucional do sistema de governo e foi ao ponto de sinalizar o seu respeito pelo papel dos partidos na formação do Governo. Mas isso foi no início, antes de ouvir o que não queria na “cerimónia do chá”

sexta-feira, outubro 02, 2015

«Votar para decidir quem ganha, quanto mais não seja por uma razão:
porque não há outra maneira de decidir quem perde»


• Pedro Silva Pereira, Os artistas:
    «Passos e Portas, qual dupla de artistas, preparam-se para encerrar em grande estilo mais uma campanha eleitoral feita de ilusões e enganos. Valeu tudo, até usar um crucifixo para invocar o nome de Deus em vão.

    É certo, a conjuntura externa menos desfavorável - com a intervenção do BCE, a descida das taxas de juro, a desvalorização do euro e a redução do preço do petróleo - favoreceu consideravelmente a propaganda governamental e o empolamento de alguns indicadores, mas seria injusto menosprezar a fantástica encenação de uma melhoria estrutural da situação económica: precisamente por ser imaginária, é ainda mais merecedora de elevada nota artística.

    Sucede que não votamos para atribuir o "prémio da propaganda" mas para o exercício de avaliar o Governo que tivemos e escolher o Governo que queremos ter, o que implica ponderar muito a sério as consequências políticas do nosso voto. E aí o que conta é a realidade. A realidade concreta da vida das famílias, das empresas, das instituições, dos serviços públicos, da sociedade e do Estado.

    Indiferente à propaganda, a realidade não se cansa de enviar recados aos portugueses que vão ter a responsabilidade de votar no próximo domingo. Vejamos algumas das coisas que ficámos a saber nos últimos dias: que, depois de tanta austeridade e tantos sacrifícios, o défice de 2014 ficou nos 7,2% (!) e o défice do primeiro semestre deste ano derrapou para 4,7%, estando em vias de falhar a prometida meta de 2,7% e a consequente saída do procedimento de défice excessivo; que a venda do Novo Banco foi um fiasco e que a resolução do Banco Espírito Santo, promovida em conjunto pelo Banco de Portugal e pelo Governo, vai mesmo ter impacto no défice e na dívida e, é claro, terá custos elevados para os contribuintes; que as agências de "rating", ao fim de quatro anos de Governo de direita e da tão propalada "recuperação da confiança", continuam a valorar a dívida pública portuguesa como "lixo" (como fazem, aliás, desde o "chumbo" do PEC IV, em 2011); e que o desemprego tornou a agravar-se, atingindo agora os 12,4%, isto é, está pior do que estava quando este Governo iniciou funções.

    Ontem, uma vez mais, a propaganda do Governo voltou a tropeçar na realidade quando foram divulgados os números da emigração - que, só por si, desmentem, de forma categórica, o cenário cor-de-rosa que Passos e Portas se esforçam por vender aos eleitores. Segundo os dados apurados pelo Observatório da Emigração (que o Governo, aliás, bem se esforçou por esconder), em 2014 o número de portugueses que tiveram de emigrar tornou a ultrapassar os 110 mil, tal como tinha sucedido no ano anterior (um número sem precedentes desde os anos 60-70). Se em vez deste levantamento do Observatório da Emigração, feito com base nas entradas de portugueses nos países de destino, tomarmos como referência os dados do INE sobre o fluxo de emigrantes permanentes e temporários, a conclusão é ainda mais assustadora. Vejamos: em 2011 emigraram 100 mil portugueses; em 2012, 121 mil; em 2013, 128 mil e em 2014, uns impressionantes 134 mil! É mais do que um Estádio da Luz cheio por ano!

    A causa deste êxodo é conhecida: a desastrosa estratégia de empobrecimento, incluindo a loucura da austeridade "além da troika", promovida pelo Governo de Passos e de Portas, que levou à destruição líquida de mais de 200 mil empregos em apenas quatro anos e forçou muitos jovens a emigrar. As consequências deste movimento migratório são tremendas e deixarão marcas por muitos e muitos anos: desde logo, a redução do potencial de crescimento do País (pela perda de capital humano, em boa parte qualificado) e a queda abrupta da natalidade, que diminuiu quase 20% em resultado destes quatro anos de políticas de direita objectivamente contra a família, caindo de 101 mil nascimentos em 2010 para apenas cerca de 83 mil nascimentos em 2014. Temos agora menos 18 mil nascimentos por ano do que tínhamos antes deste Governo!

    Quem, sem se deixar enganar pela propaganda, achar que este caminho de empobrecimento e contínuo retrocesso económico e social não pode ser solução para o futuro do País, tem bom remédio. Não ficará em casa no domingo, nem desperdiçará o voto pelos pequenos partidos, premiando simpatias pessoais mas deixando ficar tudo como está. Votará para decidir quem ganha, quanto mais não seja por uma razão: porque não há outra maneira de decidir quem perde.»

quinta-feira, outubro 01, 2015

Votar para decidir se Portugal continua com este Governo de direita, disposto a prosseguir a sua desastrosa estratégia
de empobrecimento e de austeridade


• Pedro Silva Pereira, DECIDIR O VENCEDOR:
    «Já que as sondagens ocuparam, de forma desmedida, o espaço que devia ser de debate político nesta campanha eleitoral, vale a pena olhar para elas com olhos de ver, de modo a evitar conclusões precipitadas e enganadoras.

    Comecemos pelo óbvio: seria um grave erro confundir resultados de sondagens com resultados eleitorais. A história política, reforçada com a experiência recente das eleições gregas e britânicas, mostra bem que é o voto do povo que decide, não são as projecções nem os estudos de opinião. No domingo veremos o que é que os eleitores têm a dizer sobre o Governo que tiveram e sobre o Governo que querem.

    Convém lembrar, igualmente, que as sondagens não são todas iguais. É certo que há umas de que se fala mais do que outras - e até há sondagens que nos entram em casa todos os dias - mas não devemos menosprezar a disparidade nos resultados obtidos.

    Dito isto - e sem entrar agora na discussão das diferentes metodologias e da credibilidade inerente a cada um dos exercícios - há três conclusões políticas que se podem retirar destas sondagens.

    Em primeiro lugar, o dado mais importante é que se regista uma clara tendência de reforço da bipolarização entre a coligação de direita e o PS. De facto, parece manifesto que nem se deu em Portugal um fenómeno do tipo Syriza, na Grécia (não há sinais de crescimento muito acentuado de nenhuma das forças políticas à esquerda do PS, que não deverão desviar-se muito dos seus resultados anteriores), nem surgiu um fenómeno do tipo Podemos, em Espanha, ou Cinco Estrelas, em Itália (parece evidente que o PDR e o Livre não conseguiram nesta campanha a dinâmica necessária para superar as naturais dificuldades de implementação de uma nova força política). Isto significa uma coisa muito simples: o PS afirmou-se, indiscutivelmente, como o maior ponto de encontro para a afirmação de uma alternativa política ao actual Governo de direita.

    Em segundo lugar, apesar da diversidade de resultados obtidos e do enorme número de indecisos que ainda existem, as sondagens indicam, não adianta negá-lo, que há um risco efectivo de a direita ganhar. Isso significa não só que a questão da vitória está em aberto mas, sobretudo, que a consequência política do voto tem de ser devidamente ponderada pelos eleitores. De facto, o que estas sondagens nos recordam é que estas eleições não são a feijões. Não vamos votar para atribuir o prémio da melhor campanha mas para decidir se Portugal continua com este Governo de direita, disposto a prosseguir a sua desastrosa estratégia de empobrecimento e de austeridade, ou se muda para um novo Governo liderado pelo Partido Socialista, com uma agenda virada para o crescimento e o emprego e para a defesa do Estado Social.

    A terceira conclusão decorre das duas anteriores: se as sondagens mostram que a direita pode ganhar e que só o PS pode impedi-lo, então a responsabilidade da esquerda e de todos os portugueses que sofreram as consequências da austeridade é muito clara: concentrar votos no Partido Socialista e dar a vitória a António Costa. Qualquer outro voto, disperso pelos partidos mais pequenos da oposição, significa abdicar de decidir o vencedor e, portanto, favorecer objectivamente a vitória da direita. É por isso que é preciso que ninguém fique em casa, que todos vão votar. E que votem para decidir o vencedor

sexta-feira, setembro 25, 2015

«Nunca foi tão útil votar no PS!»


• Pedro Silva Pereira, A esquerda está a brincar com o fogo:
    «Depois destes quatro anos de grave retrocesso económico e social, seria bom que a esquerda deixasse de brincar com o fogo. O aviso das sondagens aí está e não podia ser mais claro: dispersar votos pelos pequenos partidos de protesto é oferecer outra vez a vitória à direita. Vale a pena pensar nisso antes que seja tarde.

    Para aqueles que estão descontentes com a política de austeridade de Passos e Portas, a prioridade política é bastante óbvia: eleger outra maioria, outro governo e outro Presidente. Acontece que não há forma de o conseguir sem uma vitória do Partido Socialista nas próximas eleições legislativas.

    É certo, o boletim de voto que os portugueses vão receber no próximo dia 4 é longo. Muito longo. Não faltam partidos e coligações para todos os gostos, incluindo até diversas forças políticas constituídas de fresco para a ocasião (não fosse escassear a margem de escolha dos eleitores...). No essencial, porém, esta diversidade é apenas aparente - e as aparências, como é sabido, iludem. De facto, os partidos concorrentes, sendo todos diferentes, são também quase todos iguais num aspecto decisivo: a consequência política do voto. Bem vistas as coisas, há um único voto que promove e garante a mudança de Governo: o voto no Partido Socialista. Todos os outros votos - ou porque confirmam o mandato do actual Governo ou porque se dispersam pelos partidos mais pequenos da oposição, abdicando de determinar o vencedor - favorecem objectivamente a vitória da direita. Portanto, é caso para dizer: nunca foi tão útil votar no PS!

    Concentrar votos no PS - única plataforma política da oposição que tem reais possibilidades de ganhar - é, pois, a única estratégia ganhadora que os eleitores de esquerda e os adversários da austeridade podem ter. E não há sequer boas desculpas para que isso não aconteça. Por um lado, porque o Partido Socialista se apresenta a estas eleições com uma agenda claramente defensora do Estado Social e oposta à política de austeridade. Por outro, porque o PS tem na sua liderança António Costa, que já provou na Câmara de Lisboa ser capaz de governar com base em compromissos políticos alargados, muito para lá das fronteiras do PS.

    Naturalmente, são legítimas e respeitáveis as simpatias políticas de cada um. Mas convém ter em conta que só haverá mudança de governo se António Costa ganhar. E isto não é uma opinião, é um facto. Depois não digam que ninguém avisou.»

sábado, setembro 19, 2015

Passos, o BES e a verdade


• Pedro Silva Pereira, Passos, o BES e a verdade:
    «A narrativa angelical de Passos Coelho sobre o BES distorce grosseiramente os factos e enjeita indecentemente responsabilidades. A longa sucessão de enganos, ilusões e meias-verdades que pontuam desde o início o discurso de Passos Coelho sobre o BES confirma um problema estrutural que vem de longe: Passos e a verdade não se dão bem.

    Já em 2011 todos vimos Passos Coelho a prometer em campanha muitas coisas que não cumpriu a seguir às eleições. Desta vez, porém, temos uma novidade absoluta. Com o apressado recuo na sua surpreendente promessa de ele próprio "organizar" (sic) uma subscrição pública para financiar o recurso dos lesados do BES aos tribunais, o que Passos fez foi anunciar, ainda em plena campanha, que a promessa que fez na véspera aos lesados do BES afinal não é para cumprir. Ora aí está um feito digno de nota: mais rápido do que a própria sombra, Passos conseguiu quebrar uma promessa eleitoral ainda antes das eleições! É obra.

    O caso não teria relevância de maior se não se tratasse da confirmação de um padrão de comportamento. Quem não se lembra de Passos Coelho em 2011, no seu caminho para empurrar Portugal para a crise política e para o pedido de ajuda externa, a queixar-se em público de uma pretensa deslealdade institucional por alegadamente ter sido informado apenas telefonicamente do PEC IV, para depois se apurar que, afinal, foi informado presencialmente pelo primeiro-ministro de então, numa reunião de várias horas na Residência Oficial de São Bento?

    Vem isto a propósito do permanente "passa-culpas" de Passos Coelho a propósito da resolução do BES e das consequências do fiasco da venda do Novo Banco. Toda a narrativa de Passos sobre a resolução do BES está viciada por uma sistemática - e irritante - distorção dos factos. Vejamos três aspectos essenciais.

    Em primeiro lugar, embora a decisão de resolução do BES seja formalmente do Banco de Portugal, é óbvio que, ao contrário do que diz Passos, a operação de resolução do BES foi, desde o início, uma operação conjunta do Banco de Portugal e do Governo. Só isso explica que o Conselho de Ministros tenha aprovado em segredo o regime jurídico ao abrigo do qual a resolução viria a ser feita e que o tenha feito de urgência, no dia 31 de Julho de 2014, precisamente o dia seguinte à divulgação dos prejuízos do BES e véspera do dia em que a decisão de resolução foi comunicada pelo Banco de Portugal ao BCE. Mais: só com um especial envolvimento do Governo teria sido possível, como foi, obter do Presidente da República a promulgação desse decreto no próprio dia (!) em que ele foi aprovado em Conselho de Ministros. Com franqueza: dizer que a aprovação urgente deste Decreto-Lei pelo Governo não tem nada que ver com a resolução do BES decidida pelo Banco de Portugal no dia seguinte, ultrapassa os limites do razoável.

    Em segundo lugar, é também rotundamente falso que o Fundo de Resolução, único accionista do Novo Banco, seja detido ou sequer financiado (pelo menos, até ver) pelos bancos do sistema financeiro, ao contrário do que repetidas vezes o Governo tem referido. A verdade é que o Fundo de Resolução é uma entidade pública, da administração indirecta do Estado, que consolida no perímetro das contas públicas (e por isso o fiasco da venda do Novo Banco fará disparar o défice público de 2014 para cerca de 7,4% do PIB). Mais: o Fundo de Resolução é dirigido por uma administração constituída por três pessoas, a maioria (!) das quais - duas em três - é designada com intervenção directa da ministra das Finanças e nenhuma delas é indicada pelos bancos comerciais. Mais ainda: as receitas do Fundo de Resolução, além dos empréstimos, têm sido constituídas, essencialmente, por receitas fiscais desviadas para esse fim (por consignação das contribuições fiscais da banca), ou seja, por dinheiro que é indiscutivelmente dinheiro público, oriundo do Orçamento de Estado.

    Em terceiro lugar, ao contrário do que diz Passos, não é verdade, como já toda a gente percebeu, que a resolução do BES não implique custos para os contribuintes, mesmo que o Novo Banco seja vendido por um valor inferior ao que o Estado injectou no Fundo de Resolução - como é hoje mais do que certo. Não só a factura que impende sobre a Caixa Geral de Depósitos acabará sempre por penalizar os contribuintes, como a consignação acrescida de receitas fiscais, ainda que oriundas das contribuições da banca, resultará obviamente em prejuízo dos contribuintes e do Orçamento de Estado.

    A narrativa angelical de Passos Coelho sobre o BES distorce grosseiramente os factos e enjeita indecentemente responsabilidades. Pior: depois de induzir em erro clientes e investidores, hoje lesados do BES, pretende agora levar ao engano os contribuintes e os eleitores. Mas não passará.»

domingo, setembro 13, 2015

Silva Pereira responde a Eduardo Catroga:
a carta "está cheia de falsidades históricas"


Eduardo Catroga não tem respeito por si próprio. Para justificar a sinecura na EDP, dispõe-se a representar os mais lamentáveis papéis. Ontem, publicou uma carta atabalhoada, na qual procura alijar as responsabilidades de Passos Coelho na entrada da troika em 2011. Pedro Silva Pereira responde-lhe através de outra carta, na qual desmonta as «falsidades históricas» escritas pelo vizinho de Cavaco Silva na Quinta da Coelha. Se Catroga ainda tiver um pingo de vergonha, nunca mais volta a abrir a boca.

sexta-feira, setembro 11, 2015

O debate que Costa ganhou

Autor: Luís Vargas

• Pedro Silva Pereira, O debate que Costa ganhou:
    «Ninguém se lembra da resposta de Passos quando Costa mostrou que o programa lançado pelo Governo para apoiar o regresso dos jovens emigrantes vale zero e não tem um único projecto aprovado. A razão é simples: Passos não respondeu nada. Embatocou e perdeu o debate.

    Há uma diferença entre ir para um debate com uma estratégia ou com uma fobia. Acontece que Passos e os seus conselheiros confundiram desastradamente uma coisa com a outra. Cegos do seu ódio doentio a Sócrates, alimentado ao longo de anos pela narrativa distorcida que eles próprios inventaram sobre a crise e a governação socialista - e que ainda hoje inspira um pequeno exército de profissionais pagos para cuspir insultos nas redes sociais e nas caixas de comentários dos jornais - convenceram-se de que bastaria mencionar muitas vezes o nome de Sócrates, a propósito e a despropósito, para ganhar o debate. Erro: não chegou para ganhar o debate. E é pouco provável que chegue para ganhar as eleições.

    Os sinais de que, quatro anos depois, o País não padece da patologia que hoje continua a dominar, de forma obsessiva, o discurso político da direita já tinham sido dados, para quem os quis entender, nas eleições europeias de Junho do ano passado. Se bem se lembram, também aí a coligação de direita, protagonizada por Paulo Rangel e Nuno Melo, resolveu fazer uma campanha de uma nota só, cheia de repetidos e inflamados apelos a uma grande mobilização nacional anti-socrática. Fobias à parte, o acerto dessa estratégia eleitoral pode ser hoje aferido, muito serenamente, à luz dos resultados: a direita, embora unida, teve a pior derrota da sua história. Mas nem as fobias convidam à análise serena da realidade, nem a cegueira do ódio favorece o resistir à tentação de explorar sinergias entre os tempos sobrepostos da política e da justiça. Certo é que, seja lá porque for, Passos, Portas e os seus conselheiros se convenceram de que a fracassada estratégia eleitoral das europeias merecia agora uma segunda oportunidade: "fale muitas vezes do Sócrates", parece ter sido a única recomendação que deram a Passos para o debate que ele perdeu.

    A vitória clara de António Costa, conquistada fruto de uma postura assertiva ao longo de todo o debate, consolidou-se ainda mais nos estudos de opinião e nas análises dos comentadores, incluindo os da direita, sendo muito raros os que concederam a Passos, na melhor das hipóteses, um empate. Ora, as coisas são como são: quando até Marcelo Rebelo de Sousa (!) e José Manuel Fernandes (!!) têm de reconhecer nas televisões a vitória de António Costa, essa vitória torna-se um facto político incontornável, que pode ter um enorme impacto nestas últimas semanas de campanha.

    António Costa foi eficaz na demonstração de que Passos não merece confiança, depois de ter traído todas as suas promessas eleitorais, sobretudo aos contribuintes, aos funcionários públicos e aos pensionistas; foi certeiro ao recordar o envolvimento do PSD na crise que levou à vinda da "troika" e na negociação do Memorando, bem como na denúncia da austeridade "além da troika" (que demonstrou com um gráfico do próprio Vítor Gaspar); foi demolidor na avaliação dos resultados do Governo, sobretudo ao nível do empobrecimento, da destruição de emprego e do aumento da dívida pública; foi surpreendente e mordaz na invocação do fiasco do Programa VEM como resposta ao drama do êxodo de milhares de jovens para o estrangeiro; foi convincente na defesa da sustentabilidade da segurança social pública e absolutamente claro na crítica quer a um novo corte de 600 milhões nas pensões, quer à aventura da privatização parcial das receitas da segurança social; foi acutilante no desmascarar das ilusões vendidas por Passos Coelho aos investidores e aos contribuintes no caso do BES, bem como no apontar do dedo ao permanente "passa culpas" de Passos ora para os reguladores, ora para os tribunais; por fim, foi convincente no modo como enunciou a sua alternativa de política económica para o crescimento e o emprego, com medidas devidamente estudadas para a recuperação dos rendimentos das famílias e do investimento das empresas, e também na invocação da sua experiência governativa e autárquica, com provas dadas, de quem fez sempre mais do que aquilo que prometeu.

    Ao que parece, este debate - que Passos Coelho quis que fosse único - foi visto por mais de 3,3 milhões de portugueses. Quase tantos como os que irão votar no próximo dia 4 de Outubro. Será, então, o povo a decidir, fazendo cumprir a democracia e a República, na véspera do feriado que já não é.»

terça-feira, agosto 25, 2015

Quem tem medo dos debates?


• Pedro Silva Pereira, QUEM TEM MEDO DOS DEBATES?:
    «A "birra" que Passos Coelho e Paulo Portas resolveram fazer por causa dos debates é absolutamente lamentável do ponto de vista democrático e só revela uma coisa: o medo que os partidos do Governo têm de serem confrontados pela oposição com o dramático retrocesso económico e social que o País teve nos últimos quatro anos.

    Convém recordar três factos que eliminam todas as dúvidas.

    O primeiro facto é este: o problema da participação dos líderes partidários coligados nos debates pré-eleitorais não tem nenhuma novidade e está mais do que resolvido por um sólido e bem estabelecido precedente. Desde há muitos anos que em TODAS as eleições - legislativas, europeias e autárquicas - se apresentam a votos coligações pré-eleitorais de dois ou mais partidos (CDU, Aliança Portugal, AD, FRS...). Como toda a gente sabe, e Passos e Portas também, o precedente quanto à participação das coligações nos debates, por uma questão óbvia de igualdade entre as candidaturas, é que as coligações participam nos debates através de um único representante (normalmente o líder do maior partido da coligação).

    Basta um certo sentido do bom senso para perceber que não podia ser de outra maneira. Dado que os eleitores são chamados a escolher entre candidaturas partidárias (de partidos isolados ou coligados) não faria nenhum sentido que num debate houvesse duas vozes a argumentar em favor de uma mesma candidatura, enquanto as demais teriam direito a uma única voz - como explicou o PS, seria como se num jogo de futebol uma equipa jogasse com onze jogadores e a outra com o dobro! Acresce que se fosse admitido esse novo princípio de que todos os partidos com assento parlamentar integrantes de uma coligação têm direito a participar nos debates, então amanhã, em coligações de três ou mais partidos, poderíamos ter debates ainda mais desigualitários, com uma mesma candidatura representada por três ou mais representantes enquanto as outras permaneceriam resumidas a um único representante. Como toda a gente compreende, não pode ser assim. E os primeiros a compreendê-lo são os próprios Passos e Portas, que bem recentemente se coligaram nas eleições europeias e nessa altura nem sequer lhes ocorreu que Paulo Rangel fosse para os debates acompanhado por Nuno Melo... Moral da história, não se pode estar coligado apenas quando convém: coligado na contagem dos votos, para beneficiar do sistema eleitoral; separado nos debates, para beneficiar do dobro do tempo de antena.

    O segundo facto é este: se alguma coisa mudou com a recente lei das coberturas eleitorais, aprovada por iniciativa dos próprios partidos da direita, foi no sentido de reforçar este precedente. Na verdade, como muito bem explicou na Assembleia da República o Deputado Telmo Correia, a nova lei garante a participação nos debates dos partidos com assento parlamentar "por candidaturas", o que exclui, como o próprio expressamente reconheceu, o CDS e "Os Verdes", que se integram na candidatura das respetivas coligações.

    Não há, portanto, qualquer dúvida: a "birra" sobre a participação de Portas nos debates não tem nenhum fundamento razoável, seja à luz dos precedentes estabelecidos, seja à luz da nova lei. Porquê, então, esta polémica artificial e, finalmente, a recusa de Passos em participar no debate a quatro?

    A razão está bem evidente num terceiro facto, menos falado nos últimos dias mas bastante revelador: logo no início deste processo, Passos Coelho recusou também, liminarmente, a proposta inicial das televisões para três debates frente a frente com o Secretário-Geral do Partido Socialista, António Costa. Por aqui se vê que a "questão Portas" não passa de um pretexto esfarrapado: desde o início que o objetivo central de Passos Coelho sempre foi fugir aos debates, reduzindo-os ao mínimo indispensável. Certamente, esta atitude diz muito sobre Passos Coelho como democrata. Mas ainda diz mais sobre Passos Coelho como Primeiro-Ministro.»

sexta-feira, agosto 21, 2015

«Não podemos aceitar que o nosso futuro
seja falarmos com os nossos filhos apenas via "skype"»


• Pedro Silva Pereira, Esta continuidade serve?:
    «As eleições são sempre um tempo de avaliação do desempenho do Governo e das alternativas políticas para o futuro. Mas ambas as questões convergem numa única pergunta: esta continuidade serve?

    Por razões que bem se compreendem, Passos e Portas pedem-nos que votemos sem "ressentimentos". Descodificando, o que nos pedem é que esqueçamos que ambos os partidos da coligação de direita nos enganaram na campanha eleitoral de 2011, precipitando o país numa crise política irresponsável e prometendo aos eleitores, aos contribuintes e aos pensionistas o que nunca tencionaram cumprir; que esqueçamos a sua desastrosa estratégia de empobrecimento, feita de enormes aumentos de impostos e de brutais cortes nos salários, nas pensões e nos serviços públicos; que esqueçamos o erro tremendo que foi a opção pela austeridade "além da ‘troika'", com o seu rasto devastador de 219 mil empregos destruídos, milhares de jovens que tiveram de emigrar e muitas famílias destroçadas, adiadas ou sem filhos; que esqueçamos o desinvestimento absurdo e míope na Ciência, nas qualificações e nas principais alavancas de crescimento da economia; que esqueçamos a sucessão de privatizações em marcha forçada, que destruíram ou passaram para mãos estrangeiras o que restava dos "centros de decisão nacional"; e, finalmente, que esqueçamos que tudo isto, feito em nome do ajustamento estrutural da economia e da redução da dívida pública, deixou afinal a economia estruturalmente mais fraca e conduziu ao maior aumento da dívida pública de sempre.

    Por improvável que seja, Passos e Portas apostam no esquecimento colectivo e esperam que um bom "marketing" eleitoral (assente na constante repetição da sua falsa narrativa da crise e no empolamento de uns quantos indicadores económicos, à boleia da intervenção do BCE e dos ventos favoráveis da conjuntura internacional) consiga fazer o resto: criar, por tempo suficiente, uma ilusão de sucesso que se sobreponha à evidência do seu fracasso.

    Vai nesta estratégia eleitoral uma dupla mistificação. A primeira, diz respeito à democracia; a segunda, diz respeito à economia. A primeira mistificação, em nome de uma votação "sem ressentimentos", pretende um autêntico "apagão" do incumprimento das promessas eleitorais pelos partidos da direita, como se o facto de terem escondido dos eleitores a estratégia central que executaram no Governo - a estratégia de empobrecimento - não configure uma intolerável burla política, merecedora de severo julgamento democrático em legítima defesa da própria democracia. A segunda mistificação, porventura ainda mais perigosa, parte da ilusão do "sucesso" económico para afirmar, sem mais ambições, que o caminho certo é a ditosa "continuidade".

    O que nos devolve à pergunta: afinal, esta continuidade serve ou devemos procurar uma alternativa melhor? Servirá, certamente, para uns quantos fiéis devotos da "austeridade expansionista", agora entusiasmados com a perspectiva de um novo corte de 600 milhões de euros nas pensões e com a promessa de um plafonamento que abra caminho para a privatização parcial da Segurança Social à custa da sustentabilidade do sistema público. Mas fora esse grupo de crentes fervorosos, cuja fé inabalável sobrevive a todas as evidências, esta continuidade cinzenta, sem futuro nem esperança, só poderá servir a quem se resigne à fatalidade de um destino nacional de continuado empobrecimento e persistente decadência. Para concluir que não tem de ser assim, não é preciso nenhum especial "ressentimento" - embora não lhe faltassem razões. Basta olhar com olhos de ver para os resultados desastrosos da austeridade "além da ‘troika'" e perceber a extrema urgência do maior desafio que o paísenfrenta: estancar imediatamente o dramático êxodo dos seus jovens e dos seus melhores quadros. É por isso que a continuidade não serve e é tempo de uma alternativa política, capaz de um novo ciclo de esperança e de recuperação económica. Com uma certeza: não podemos aceitar que o nosso futuro seja falarmos com os nossos filhos apenas via "skype".»

sábado, agosto 01, 2015

De mentira em mentira


• Pedro Silva Pereira, A confusão:
    «Vergonhosamente desmentido pelo próprio presidente da Comissão Europeia quanto à atitude de Portugal na crise da Grécia, Passos Coelho acusa Jean-Claude Juncker de fazer "confusão". Já vimos este filme: ele está sempre certo, os outros é que estão confusos.

    Convém lembrar que a história desta legislatura começou, justamente, com uma mentira de Passos Coelho. Como se recordarão, em Março de 2011, no auge da crise das dívidas soberanas, o Governo socialista tinha conseguido obter em Bruxelas o apoio dos parceiros europeus e do BCE para o chamado PEC IV, um programa de consolidação orçamental moderado mas necessário para poupar Portugal ao doloroso pedido de ajuda externa. Passos Coelho, porém, viu aí uma fantástica oportunidade de chegar ao poder e, indiferente às consequências, preferiu provocar uma crise política, provocando a demissão do Governo minoritário socialista. Para o sucesso eleitoral dessa operação, Passos precisava de um argumento forte, capaz de justificar a conivência silenciosa do Presidente da República e de suscitar a profunda indignação dos eleitores.

    Foi então que, com o maior dos descaramentos (lembram-se?), Passos resolveu inventar que só tinha sido informado das linhas gerais do PEV IV através de um simples "telefonema" do malvado primeiro-ministro socialista. Caiu o Carmo e a Trindade: um "escândalo!", uma "deslealdade institucional!", haveria de gritar a direita, numa campanha furiosa. Soube-se, depois, que era tudo mentira: afinal, antes da apresentação do PEC IV em Bruxelas, o próprio Passos Coelho, como líder da oposição, tinha sido convidado para ir ao Palácio de S. Bento e ali esteve, em pessoa, numa reunião de várias horas (!) com o primeiro-ministro, que lhe deu toda a informação disponível. De tão reveladora, esta história, absolutamente verdadeira, vale bastante mais do que mil palavras. E devia ter-nos preparado para o que viria a seguir.

    Não é por acaso que esta legislatura termina exactamente como começou, com Passos Coelho constantemente apanhado em explicações falsas ou trapalhonas e a ser vergonhosamente desmentido, em Portugal e no estrangeiro. Por cá, é o permanente "martelar" dos números do emprego, a despudorada negação da estratégia de empobrecimento e do apelo à emigração dos jovens (que tenta agora transformar num mero "mito urbano"), a narrativa aldrabada sobre as contas alegadamente "mal feitas" do memorando inicial (apesar de validadas pelo Eurostat...) para justificar a sua própria opção pela austeridade "além da troika" e as desculpas esfarrapadas para o falhanço colossal que é o enorme aumento da dívida pública nos últimos quatro anos (que disparou para os 129,6% do PIB).

    Mas, de entre todos, não haverá embaraço maior do que os sucessivos desmentidos que os principais responsáveis europeus têm vindo a fazer sobre as declarações de Passos Coelho quanto ao papel de Portugal na crise da Grécia. Na semana passada, foi o presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk - também andará confuso? - que se lembrou de vir explicar, com grande detalhe, que, por acaso, a ideia que esteve na base da solução para o último ponto do acordo com a Grécia foi originalmente sugerida pelo primeiro-ministro da Holanda, não por Pedro Passos Coelho. Esta semana, foi a vez do próprio presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que veio arrasar a versão idílica de Passos Coelho sobre a pretensa "unanimidade" no Eurogrupo e sobre a alegada atitude "generosa e construtiva" de Portugal nas negociações, revelando que o próprio Passos Coelho se opôs, por mero calculismo eleitoral, a um compromisso calendarizado para resolver o problema estrutural da dívida grega. É caso para dizer que entre as eleições e a Grécia, Passos não teve dúvidas: que se lixe a Grécia!

    É certo, o Presidente da Repúbica, com aquele apurado sentido de isenção que se lhe reconhece, apressou-se a vir em defesa do Governo. E não fez a coisa por menos: a versão de Juncker "não corresponde à informação que me foi dada", garantiu ele. Dada por quem? Infelizmente, isso não disse. Mas como o Presidente da República, ao contrário de Juncker, não esteve lá, pode sempre acontecer que esteja a fazer alguma confusão

sexta-feira, julho 17, 2015

A narrativa aldrabada


• Pedro Silva Pereira, A narrativa aldrabada:
    «A entrevista do primeiro-ministro à SIC foi um verdadeiro monumento de mistificação e distorção grosseira dos factos. Começou na Grécia, passou pelos números do desemprego e do défice e acabou com o anúncio do fim da austeridade. Na questão da Grécia, chegou a ser patético. Contra toda a evidência testemunhada pelo Mundo inteiro em dias seguidos de elevada tensão negociai, Passos quis convencer-nos de que "houve sempre unanimidade no Eurogrupo", o qual, vejam lá, até deu provas de uma imensa "generosidade" para com a Grécia. Esqueçam, portanto, as resistências da Finlândia e da Alemanha e a preferência de Schäuble pelo 'Grexit' temporário; esqueçam as iniciativas e pressões de Hollande e o sonoro "basta!" de Renzi - nada disso conta. O nosso excelentíssimo primeiro-ministro, que esteve lá, viu tudo ao contrário de toda a gente: total "unanimidade" e profunda "generosidade", garante ele. E, em boa verdade, já que inventou uma história tão bonita, porque não arranjar-lhe também um final feliz? Se bem o pensou, melhor o fez. Vai daí, escolheu para si o papel principal: por acaso, a ideia para o acordo final até foi dele. Também por acaso, mais ninguém reparou nisso. Mas um criativo talentoso nunca deixa que os factos atrapalhem uma boa história.

    Nos números do desemprego, Passos andou perto da desonestidade intelectual. Começou por comparar a evolução da taxa de desemprego entre 2005 e 2011, durante os governos socialistas, omitindo que em 2011 se operou uma quebra de série por alteração da metodologia estatística do INE, o que transforma qualquer comparação linear numa pura fraude. Depois, atribuiu o aumento do desemprego nesse período ao "modelo de desenvolvimento económico socialista", omitindo a redução do desemprego verificada entre 2005 e meados de 2008 e ignorando, ostensivamente, a crise financeira internacional que a partir de 2008 fez o desemprego aumentar não só aqui mas em toda a Europa; finalmente, descreveu uma imaginária dinâmica de criação de emprego na economia, escamoteando o único balanço que interessa: ao fim de quatro anos de governação PSD/CDS, centenas de milhares de empregos foram destruídos e o desemprego é hoje mais alto do que era quando a direita chegou ao poder.

    Depois, veio a conversa dos défices de 2010 e 2011, numa tentativa esfarrapada de justificar a austeridade "além da troika" com as contas alegadamente "mal feitas" do Memorando inicial (que, aliás, o PSD também negociou). Ora, nem o défice oficial de 2010 era desconhecido ao tempo da negociação do Memorando (salvo quanto à fraude estatística operada pelo Governo do PSD na Madeira, sendo que a revisão posterior, e retroactiva, da metodologia estatística do Eurostat em nada alterou o esforço orçamental pedido para efeitos do Memorando), nem o défice registado no primeiro semestre de 2011 (também inflacionado pela fraude estatística do PSD na Madeira) justifica as medidas de austeridade que o Governo, por sua livre opção, de imediato resolveu tomar (designadamente, o corte de 50% do subsídio de Natal, que o Expresso garantiu na altura já estar decidido pelo Governo muito antes de conhecidos os números do défice) e depois ainda agravou mais em 2012 (cortando salários e pensões) e 2013 (com o enorme aumento de impostos). Ao contrário do que diz Passos, a verdade é que houve nisto tudo uma escolha de política orçamental do Governo, que sempre acreditou nas virtudes redentoras da austeridade e do empobrecimento - e gabou-se disso. Acresce, em todo o caso, que o défice de 2011 acabou por ficar muito abaixo (e não muito acima!) da meta prevista no Memorando e isto porque o país dispunha de uma medida alternativa e extraordinária (a transferência dos fundos de pensões), a que o Governo acabou por recorrer já tarde de mais. Por muito que custe, descontado esse efeito extraordinário registado nas contas do segundo semestre de 2011 e a fraude estatística do PSD na Madeira, o famoso défice do primeiro semestre de 2011, que o primeiro-ministro agora diz estar na origem de todos os sacrifícios destes quatro anos, foi MENOR do que o défice obtido na gestão orçamental do segundo semestre de 2011, já com o Governo de Passos e Portas. É por essas e por outras que estes senhores não podem ficar a falar sozinhos sobre tudo isto, como se fosse deles a verdade histórica e a pudessem manipular a seu belo prazer para efeitos de campanha eleitoral.

    Finalmente, o primeiro-ministro acabou a sua entrevista à SIC com chave de ouro, prometendo acabar com as medidas de austeridade e até esboçando uma vaga intenção de "combater as desigualdades". Mas não é nada urgente: fica para a próxima legislatura. Foi aqui que a jornalista Clara de Sousa terá achado que a coisa estava a ir um bocado longe de mais e perguntou como é que o primeiro-ministro conciliava isso com a decisão já anunciada pelo Governo de cortar ainda mais 600 milhões de euros nas pensões de reforma. Infelizmente, não se percebeu nada da resposta.»